Por Pe. Demétrio Gomes
Em uma das habituais Missas matutinas que celebra na Casa
Santa Marta, o Papa Francisco nos deu um oportuno conselho para vivermos diante
das fraquezas de nossos irmãos: “Não julgar ninguém, porque o único juiz é o
Senhor; ficar calados ou se tivermos que dizer algo, dizê-lo apenas aos
interessados, e não a todo o bairro. Este seria um passo adiante, que faria bem
a todos nós”.
O Santo Padre não está afirmando com isso que devemos
ignorar as faltas de nossos irmãos, fingindo que elas não existem. Frente aos
erros dos demais, algo sim podemos e devemos fazer: auxiliá-los com a nossa
correção fraterna, com a oração, e, caso necessário, levar o tema a quem possa
realmente ajudar, mas sempre cuidando para que a imagem do próximo não seja
manchada.
Com efeito, ter a boa fama respeitada e respeitar a dos
demais é um direito e um dever natural de todo ser humano. O Código de Direito
Canônico recolhe esse dado quando trata dos direitos e obrigações comuns a
todos os fiéis, afirmando que “a ninguém é lícito lesar ilegitimamente a boa
fama de que alguém goza” (cf. c. 220).
O Concílio Vaticano II, por sua vez, destaca que a boa fama
é uma das coisas que o homem necessita para levar uma vida verdadeiramente
humana (cf. Gaudium et Spes, n. 26). Segundo Santo Tomás de Aquino, a fama
ou a opinião pública que se tem de alguém é o bem temporal mais precioso que
uma pessoa possui, e a violação desse bem pode ser considerada mais grave que o
próprio roubo.
Ao afirmar que a ninguém é lícito lesar ilegitimamente a boa
fama que alguém possui, a Igreja quer dizer que todos nós – Bispos, padres,
diáconos, e fiéis leigos (e todos os homens, em razão do Direito natural) –
devemos respeitar a boa fama de todos, e apenas – apenas! – quando existir
alguma razão legítima (a proibição fala de lesar “ilegitimamente”) alguém pode
lesar este bem. Cabe aqui, portanto, a pergunta: Quando haveria tal razão
legítima? Haveria alguma circunstância na qual poderíamos revelar os defeitos,
pecados ou delitos de alguém?
Em primeiro lugar, é necessário reafirmar que o sigilo
sacramental da confissão é sagrado e em hipótese alguma pode ser revelado (cf.
c. 983 §1). O Direito divino autoriza, no entanto, a descoberta – sempre fora
do sigilo sacramental – de defeitos, pecados ou delitos de alguém quando se
está em jogo um bem superior das pessoas, da sociedade civil ou da Igreja.
Porém a revelação desses atos deve ser feito a quem é de Direito, evitando ao
máximo a exposição da pessoa em questão, e sempre com a finalidade de buscar
este bem superior.
Esse direito fundamental do fiel implica, entre outras
coisas, a possibilidade de alguém recorrer à autoridade eclesiástica quando
considera lesada sua boa fama, a proibição de admitir denúncias anônimas, e o
direito do acusado em conhecer o nome do acusador e o objeto da denúncia.
A Igreja prescreve também algumas penas para quem comete o
crime de falsidade. Por exemplo, conforme aparece no c. 1390 § 2: “Quem
denuncia caluniosamente de qualquer outro delito junto ao Superior
eclesiástico, ou de outro modo lesa a boa fama alheia, pode ser punido com
justa pena, não excluída a censura”.
A calúnia, a injúria, a murmuração, a fofoca, são algumas
das atitudes que ferem o direito que o outro tem à boa fama. Na mesma homilia
que citamos, o Papa Francisco afirmou que tais tentações podem atingir a todos
nós e estão presentes em todos os lugares: “Bisbilhotar, fofocar sobre o
próximo, criticar (que são coisas do cotidiano, que acontecem também comigo),
são tentações do maligno, que não quer que o Espírito traga paz e harmonia às
comunidades cristãs (…) Esta luta existe sempre e em todos os lugares: nas
paróquias, famílias, bairros, entre amigos”. Diante das faltas de nossos
irmãos, precisamos pedir ao Senhor a sabedoria para não sermos omissos, fazendo
todo o possível para ajudá-los, e, ao mesmo tempo, zelar com delicadeza para
que sua imagem não seja denegrida.