quinta-feira, 21 de maio de 2015

SEM COMUNICAÇÃO, A FAMÍLIA ACABA


 No domingo, dia 17 de maio, celebramos a Ascensão de Jesus ao céu; com esta solenidade litúrgica, recordamos também o envio missionário dos apóstolos: “ide pelo mundo inteiro e anunciai a Boa Nova a toda criatura” (Mc 16,15). Essas palavras de Jesus referem-se à primeira e mais importante missão da Igreja, que é evangelizar. Nelas estão presentes três conceitos de comunicação: “ide”, “anunciai” e “Boa Nova”.
Por isso, a Igreja relaciona o Dia Mundial das Comunicações Sociais com o Domingo da Ascensão e o envio missionário: a Igreja tem a missão de comunicar; evangelizar é ação comunicadora feita de muitos modos, sobretudo na relação de pessoa a pessoa; é levar uma mensagem – o Evangelho; a um destinatário – “a todos os povos”; com uma  metodologia – “ide”, ou seja, saindo de si, dirigindo-se aos outros, inclusive com os modernos recursos técnicos da Comunicação Social.
Na sua Mensagem para o 49º Dia Mundial das Comunicações Sociais, de 2015, o Papa Francisco trata da comunicação em família. Essa abordagem não podia ser mais oportuna, uma vez que a Igreja está preparando a assembleia do Sínodo, de outubro deste ano, sobre o tema da família. Achei a intuição do Papa Francisco muito iluminada! Com frequência, quando falamos do tema da família, pensamos logo nos grandes princípios cristãos que regem o casamento e a família; ou nos problemas do divórcio, da diminuição do apreço ao casamento e à família, nas questões morais ligadas à vida sexual e à transmissão da vida... Tudo isso tem sentido, mas as questões, tantas vezes, são bem mais simples: as pessoas não se falam mais, não há diálogo, não há sintonia no convívio familiar... E aí fica difícil manter viva a família!
O Papa está nos recordando que há questões bem simples na vida familiar, que não devem ser descuidadas no casamento e na vida em família. E se refere à “comunicação” na vida familiar. Será que muitos daqueles “grandes” problemas da família não estão ligados às questões de “comunicação”? Será que a atual avalanche de mensagens de todo tipo, recebidas e assimiladas por meio de todos os recursos de comunicação ao nosso alcance, de maneira nem sempre criteriosa, não está sufocando a comunicação que precisa existir no seio da vida familiar?
Seria interessante perguntar: quanto tempo ainda nos resta, cada dia, para a comunicação em família? Para conversar, trocar ideias, partilhar vivências, informações ou afetos? Ou, simplesmente, para “jogar conversa fora”, pelo prazer de estar juntos, comunicar a alma, partilhar o convívio e manifestar estima e afeto? E qual é a qualidade desse tempo que ainda temos para a comunicação em família? Talvez, enquanto conversamos, a televisão ligada pede atenção, navegamos na Internet, atendemos a telefonemas ou estamos ligados em mensagens de quem está bem distante de nós?
O Papa Francisco, na sua Mensagem, recorda que a família existe, acima de tudo, por um fato de comunicação: o namoro é comunicação; a vida do casal é comunicação; assim, as relações de paternidade e maternidade, de filiação e de fraternidade; sem esquecer que também as relações de parentesco se cultivam na comunicação dos parentes. Se os membros da família deixam de se comunicar de pessoa a pessoa, estas vão se distanciando e a família se torna insignificante, é sufocada e vai à falência múltipla, por falta de oxigenação...
Muitos problemas e crises no casamento e na vida familiar não surgiriam se a boa comunicação fosse mais bem cultivada no seu convívio; e muitas questões doutrinais, como a fidelidade e a indissolubilidade matrimonial, não seriam “problemas”, se houvesse verdadeira comunicação na vida familiar.
Quanta coisa uma boa conversa consegue resolver! A comunicação mais elementar é a boa conversa, a escuta, a busca sincera da sintonia com o outro, para estar “ligado” nas mensagens dos outros; às vezes, é preciso desligar um pouco dos próprios programas e dar atenção ao outro; não raro, é bom abaixar o volume da voz, ou ficar antenado nas mensagens cifradas dos outros, que pedem atenção e compreensão; e o diálogo, feito entrevista leal, consegue avivar novamente a qualidade dos relacionamentos...
Para não ser vítima do excesso de comunicação formal, que invade todos os espaços e minutos do dia, a família precisa zelar pela boa qualidade da comunicação entre os seus membros. A família vive de comunicação. Vale a pena ler a Mensagem do Papa.

Publicado no jornal O SÃO PAULO, edição 3051, de 13 a 19 de maio de 2015

Cardeal Odilo Pedro Scherer