Você já percebeu que a nossa comunicação com os outros pode
atingir níveis diferentes de profundidade? A nossa palavra sempre tende à comunicação
com os outros, mas dependendo da finalidade, a comunicação pode atingir níveis
mais profundos.
Em algumas ocasiões, a nossa comunicação pode ser simplesmente utilitária: essa
é a linguagem prática das trocas de informações, das ordens, das mensagens,
dos jornais, do rádio, da televisão, da técnica profissional. Nesse nível a
palavra é impessoal.
Atingimos um nível mais profundo de comunicação, quando nossa palavra se torna
expressão e testemunho. Nós nos expressamos na palavra na medida em que nela
nos colocamos a nós mesmos e na medida em que nos dirigimos ao outro como
pessoa e não como simples receptor. A palavra atinge esse nível somente quando
a gente se coloca na palavra para entregar o sentido profundo do próprio ser a
outra pessoa. Assim a nossa palavra pode se tornar confissão e confidência. É
claro que para que isso possa acontecer é preciso que haja respeito, confiança
e amizade sincera.
A palavra humana atinge a sua maior profundidade de comunicação quando ela se
torna o meio pelo qual duas interioridades se revelam mutuamente na amizade.
Quando atinge esse nível, a palavra se torna sinal de amizade e de amor, a
expressão da liberdade pessoal que se abre e se doa ao outro. Assim a palavra
humana se torna uma doação de pessoa a pessoa. Na amizade e no diálogo de amor,
as pessoas se abrem uma à outra e se dão hospitalidade recíproca. Assim pela
palavra acontece a comunhão de amor entre pessoas.
Preste atenção: quando nos referimos à Revelação Divina, não entendemos Palavra
de Deus no sentido de uma comunicação meramente utilitária. Quando Deus fala,
Ele o faz para se doar no amor e na amizade.
Essa intenção de amor da Revelação se torna ainda mais clara e evidente pelo
fato de o homem ser uma criatura inimiga de Deus. De fato, pelo seu pecado, o
ser humano disse “não” a Deus e dEle se afastou. Mas Deus não abandonou o ser
humano em sua solidão e pecado. Pelo contrário, movido pela sua misericórdia,
Deus se aproxima do pecador para lhe oferecer o perdão.
Deus leva a sua condescendência ao ponto de assumir a própria condição da
criatura pecadora. Ele se solidariza tanto com o pecador que chega a se
encarnar: “o Verbo se fez carne e habitou entre nós”.
Nesse sentido, o documento Verbum Domini afirma: “a Palavra de Deus não é
apenas audível, não possui somente uma voz. A Palavra tem um rosto, que podemos
ver: Jesus de Nazaré”.
Em Jesus de Nazaré, Deus chega ao excesso do amor, doando-se a Si mesmo no
sacrifício de Cristo. Na paixão, Cristo leva à plenitude a caridade que ele
tinha vindo significar. Alcançamos assim a perfeição do mistério da Palavra que
se doa.
“A Palavra de Deus no mistério Pascal emudece, se torna silêncio de morte,
porque Se disse até calar, nada retendo do que nos devia comunicar” (VD
13).
No mistério pascal, a Palavra articulada torna-se Palavra imolada. Cristo, na
cruz, manifesta a caridade do Pai até o grito inarticulado no qual tudo diz
plenamente. A Palavra de amor se entregou inteiramente aos homens na cruz. A
Palavra de Deus se esgota até o silêncio.