A Solenidade que hoje celebramos não é um convite a decifrar
o mistério que se esconde por detrás de "um Deus em três pessoas";
mas é um convite a contemplar o Deus que é amor, que é família, que é
comunidade e que criou os homens para os fazer comungar nesse mistério de amor.
Na primeira leitura, Jahwéh revela-se como o Deus da
relação, empenhado em estabelecer comunhão e familiaridade com o seu Povo. É um
Deus que vem ao encontro dos homens, que lhes fala, que lhes indica caminhos
seguros de liberdade e de vida, que está permanentemente atento aos problemas
dos homens, que intervém no mundo para nos libertar de tudo aquilo que nos
oprime e para nos oferecer perspectivas de vida plena e verdadeira.
A segunda leitura confirma a mensagem da primeira: o Deus em
quem acreditamos não é um Deus distante e inacessível, que se demitiu do seu
papel de Criador e que assiste com indiferença e impassibilidade aos dramas dos
homens; mas é um Deus que acompanha com paixão a caminhada da humanidade e que
não desiste de oferecer aos homens a vida plena e definitiva.
No Evangelho, Jesus dá a entender que ser seu discípulo é
aceitar o convite para se vincular com a comunidade do Pai, do Filho e do
Espírito Santo. Os discípulos de Jesus recebem a missão de testemunhar a sua
proposta de vida no meio do mundo e são enviados a apresentar, a todos os
homens e mulheres, sem excepção, o convite de Deus para integrar a comunidade
trinitária.
Quem acolheu o convite de Deus (apresentado em Jesus) para
integrar a comunidade trinitária, torna-se testemunha, no meio dos homens,
dessa vida nova que Deus oferece. O papel dos discípulos é continuar a missão
de Jesus, testemunhar o amor de Deus pelos homens e convidar os homens a
integrar a família de Deus. Os irmãos com quem nos cruzamos pelos caminhos da
vida recebem essa mensagem? As nossas palavras e os nossos gestos testemunham
esse amor com que Deus ama todos os homens? As nossas comunidades são a imagem
viva da família de Deus e apresentam um convite credível e convincente aos
homens para que integrem a comunidade do Pai, do Filho e do Espírito Santo?
A missão que Jesus confiou aos discípulos - introduzir
todos os homens na família de Deus - é uma missão universal: as fronteiras, as
raças, a diversidade de culturas, não podem ser obstáculo para a presença da
proposta libertadora de Jesus no mundo. Todos os homens e mulheres, sem
excepção, têm lugar na família de Deus. Tenho consciência de que Jesus me envia
a todos os homens - sem distinção de raças, de etnias, de diferenças
religiosas, sociais ou económicas - a anunciar-lhes o amor de Deus e a
convocá-los para integrar a comunidade trinitária? Tenho consciência de que sou
chamado a apresentar a todos os homens - mesmo àqueles que habitam no outro
lado do mundo - o convite para integrar a família de Deus?
Num mundo onde Deus nem sempre faz parte dos planos e das
preocupações dos homens, testemunhar o amor de Deus e apresentar aos homens o
convite para integrar a família de Deus é um enorme desafio. O confronto com o
mundo gera muitas vezes, nos discípulos, desilusão, sofrimento,
frustração… Nos momentos de decepção e de desilusão convém, no
entanto, recordar as palavras de Jesus:
"Eu estarei convosco até ao fim dos tempos". Esta
certeza deve alimentar a coragem com que testemunhamos aquilo em que
acreditamos.
A celebração da Solenidade da Trindade não pode ser a
tentativa de compreender e decifrar essa estranha charada de "um em
três". Mas deve ser, sobretudo, a contemplação de um Deus que é amor e que
é, portanto, comunidade. Dizer que há três pessoas em Deus, como há três
pessoas numa família - pai, mãe e filho - é afirmar três deuses e é negar a fé;
inversamente, dizer que o Pai, o Filho e o Espírito são três formas diferentes
de apresentar o mesmo Deus, como três fotografias do mesmo rosto, é negar a
distinção das três pessoas e é também negar a fé. A natureza divina de um Deus
amor, de um Deus família, de um Deus comunidade, expressa-se na nossa linguagem
imperfeita das três pessoas. O Deus família torna-Se trindade de pessoas
distintas, porém unidas. Chegados aqui, temos de parar, porque a nossa
linguagem finita e humana não consegue "dizer" o indizível, não
consegue definir cabalmente o mistério de Deus.