quarta-feira, 2 de abril de 2014

CANONIZAÇÃO DO BEATO JOSÉ DE ANCHIETA

Cardeal Raymundo Damasceno Assis
Arcebispo de Aparecida (SP)
Presidente da CNBB



A canonização do beato José de Anchieta, neste dia 3 de abril, é recebida com festa pelo Brasil. Não podia ser diferente, afinal, Anchieta marcou a história de nosso país como evangelizador, educador e escritor. Alegra-nos, portanto, a sábia decisão do papa Francisco de declarar santo, por decreto, o “Apóstolo do Brasil”.

Nascido na Espanha em 1534 (Ilha das Canárias), Anchieta estudou em Portugal. Aí conheceu e ingressou na Companhia de Jesus aos 17 anos. Ainda noviço, foi enviado ao Brasil pelo próprio Santo Inácio de Loyola quando tinha apenas 19 anos. Aqui, uniu-se ao padre Manoel da Nóbrega e outros jesuítas para ajudar na evangelização.
Em sua missão evangelizadora, padre Anchieta destacou-se no trabalho com os indígenas a quem catequizava recorrendo à dramaturgia e à poesia. Com esse método, tornava a catequese agradável e facilitava o aprendizado e a memorização. Em suas peças teatrais, identificava o mal, o injusto com os seres espirituais que levavam os indígenas à vingança e a outras ações contrárias ao Evangelho. O belo, o bem e a alegria, por sua vez, eram identificados com os anjos.
A dificuldade que os jesuítas encontravam na missão por causa da língua dos indígenas foi resolvida com a gramática Tupi-guarani, que padre Anchieta escreveu - “Arte da Gramática da Língua Mais Falada na Costa do Brasil", publicada em Coimbra em 1595. É autor também de outras obras importantes como “Os feitos de Mem de Sá”.
Coragem também não lhe faltava. No confronto dos portugueses com os tamoios, que queriam destruir a colônia São Vicente, em 1563, Anchieta se oferece como refém dos índios, em Iperoig (hoje, Ubatuba), assegurando as negociações de paz. Nessa condição, ficou durante seis meses entre os tamoios. Foi nessa época que compôs o famoso “Poema à Virgem”. Não hesitou também em defender os índios da tentativa de escravização pelos colonizadores portugueses.
A missão o fez andar por quatro estados brasileiros: São Paulo, Rio de Janeiro, Bahia, onde foi ordenado padre com 32 anos (em Salvador), e Espírito Santo. Em todos se sobressaiu pela evangelização, mas também pela educação. O primeiro colégio dos jesuítas na América, por exemplo, Colégio São Paulo de Piratininga, foi fundado com a participação de Anchieta, logo que chegou ao país.
Sua profunda espiritualidade e a riqueza de carismas que possuía, apesar de tão jovem, atraíram para junto da obra um número sempre crescente de famílias que fez com que, mais tarde, surgisse o povoado, a vila, a cidade e hoje a grande metrópole de São Paulo. É, por isso mesmo, reconhecido como um dos fundadores da capital paulista. Já no Rio de Janeiro, dirigiu o Colégio dos Jesuítas por três anos (1570-173). No Espírito Santo, fundou a aldeia de Reritiba (hoje, Anchieta), onde morreu no dia 9 de junho de 1597.
O exemplo e o testemunho do padre Anchieta são inspiração aos evangelizadores de hoje, desafiados a falar à mente e ao coração das pessoas de modo a levá-las ao encontro pessoal com Jesus Cristo. Sua criatividade no anúncio do evangelho aos indígenas, recorrendo ao teatro e à poesia, interpela-nos quanto aos métodos que usamos nos tempos atuais na nossa missão evangelizadora. Revela-nos a urgência de uma evangelização inculturada num país marcado pela pluralidade cultural e étnica.
Recordando a vida e o legado do padre Anchieta, a Igreja pode tirar, pelo menos, três lições:
 1. O compromisso com a evangelização dos que ainda não fizeram a experiência do amor de Deus em suas vidas ou dele tenham se afastado; 
2. A defesa da vida e dos direitos das populações que os têm ameaçado, especialmente os indígenas que, ainda hoje, lutam para manter sua cultura e tradição; 3. A presença no mundo da educação de modo a ser sinal da mensagem libertadora do Evangelho.

São José de Anchieta interceda pelo Brasil! Amém!


(Publicado na Folha de São Paulo, 02/04/2014)