Por Ione Buyst
Sacramentos: sinais sensíveis...
Temos o
costume de chamar de “sacramentos” os gestos principais que expressam e
sustentam nossa fé cristã: batismo, confirmação, eucaristia, reconciliação,
unção dos enfermos, ordenação, matrimônio. São sinais sensíveis que realizam
aquilo que significam (Cf. SC 7). E o que significam? São chamados a
significar, cada qual a seu modo, o mistério da nossa fé, o mistério pascal de
Jesus, o Cristo. Pelo batismo, somos mergulhados na morte de Jesus, para
ressuscitarmos com ele (Cf. Rm 6, 3-11). Também, ao realizarmos a ação
eucarística, realiza-se em nós, sacramentalmente, em mistério, a
morte-ressurreição de Jesus, a sua páscoa.
Uma nova teoria para explicar os sacramentos...
Em cada
época da história, os cristãos tentaram estudar e explicar, na medida do
possível, estas ações sacramentais. Nenhuma explicação será jamais totalmente
satisfatória, porque mistério tão grande não cabe em explicações; compreendemos
apenas pela fé, instruída pelas Sagradas Escrituras; compreendemos pela
experiência celebrativa e pela experiência do seguimento de Jesus no dia-a-dia
de nossa vida. Mas, como somos seres racionais, devemos tentar explicar e
entender racionalmente, até onde der...
Atualmente,
a maneira de explicar o que acontece quando celebramos um sacramento passa pela
“teoria simbólica”. A realidade teológica (sacramento) é analisada do ponto de
vista antropológico, enquanto símbolo. Por exemplo, o que acontece no batismo?
Num sinal sensível (mergulhar e retirar das águas), aparece e começa a atuar
uma realidade escondida, oculta a nossos sentidos. Qual é esta realidade? O
mistério pascal de Jesus Cristo. Deixando-nos batizar, optamos por uma vida de
seguimento de Jesus, que viveu uma vida de doação, de entrega, de compromisso
total com o reino de Deus. E confiamos que, assim, o Pai nos dará a vida em
plenitude, numa comunhão de vida, para sempre. Somos identificados com Cristo
na sua morte-ressurreição. Sua páscoa acontece em nós.
A graça supõe e assume a natureza...
O sinal
sensível do batismo é um elemento da natureza (água), uma ação de nossa
experiência cotidiana ou social com seu sentido evidente (mergulhar na água,
correr o perigo de afogar-se numa enchente, ser retirado(a) das águas por outra
pessoa, que às vezes até arrisca sua vida para nos salvar...). Este primeiro
sentido recebe um complemento das Sagradas Escrituras, principalmente do Novo
Testamento, onde este gesto se refere a Jesus e àqueles que se tornam seus
seguidores: seu batismo no Jordão, seu batismo na morte, sua ressurreição, como
salvamento por parte do Pai, e nossa participação em sua morte-ressurreição.
A força vital, a energia psíquica gerada pela simbolização é
como que potencializada pelo Espírito Santo. O dinamismo do Espírito Santo se
manifesta e trabalha no gesto humano simbólico. O Sopro Divino assume a água e
a transforma, a transfigura, fazendo aparecer a vida divina na realidade
humana. A realidade teologal se encarna e se manifesta e atua na realidade
humana, antropológica, seguindo a lei da criação, a lei da encarnação e da
epifania, a lei da ressurreição e da escatologia. A atuação do Espírito Santo
passa pela ação simbólica; atinge-nos pela simbolização.
Seguindo a lei da criação...
Afinal,
Deus nos fez assim, como seres corpóreos/espirituais. Ou como diz o relato bíblico
da criação, somos feitos(as) de “barro e brisa”: o Senhor modelou um boneco de
barro, soprou sobre ele com sua divina brisa, seu divino sopro, e assim nasceu
o ser humano, como ser vivente. Por isso, a comunicação com os seres humanos,
mesmo a mais espiritual, passa necessariamente pelo “barro”, pelo corpo, pelos
sentidos, pela “matéria”. E os sacramentos seguem esta lógica, esta teo-lógica
da criação. Nos sacramentos se unem a “matéria” e o Espírito.
Seguindo a lei da encarnação e da epifania (manifestação)...
São
João, o evangelista, diz que em Jesus “o Verbo se fez carne”; a Palavra de Deus
se fez gente com a gente; ergueu seu barraco no meio de nós. Deus se fez
“barro”, “matéria”, corpo, possível de ser ouvido, visto, apalpado... por nós,
seres humanos, para que pudéssemos entrar em comunhão com ele e encontrar assim
nossa felicidade. Assim o expressa o mesmo São João no início de sua primeira carta:
“O que era desde o princípio, o que ouvimos, o que vimos com nossos olhos, o
que contemplamos e o que nossas mãos apalparam o Verbo da vida - porque a Vida
manifestou-se (...) - o que vimos e ouvimos vo-lo anunciamos, para que estejais
em comunhão conosco. E a nossa comunhão é com o Pai e com seu Filho Jesus
Cristo. E isto vos escrevemos para que a vossa alegria seja completa” (1Jo
1,1-4).
Por
isso, os sacramentos seguem esta lógica, esta teologia da encarnação e da
manifestação de Deus em nossa humanidade: a realidade divina se manifesta a
nossos sentidos, em coisas para ver, ouvir, sentir, cheirar, saborear..., e
desta maneira entra em comunhão conosco.
Seguindo a lei da ressurreição e da escatologia...
Pela
ressurreição, o corpo torturado, mutilado, crucificado de Jesus transformou-se
em um corpo espiritual, pneumático. Nele nos tornamos gente nova, não mais
escravos da natureza humana, mas gente que se deixa guiar pelo Espírito de Deus
que ressuscitou Jesus dos mortos. Com ele iniciam os novos céus e a nova terra,
já presente em germe entre nós. E os sacramentos seguem esta lógica, esta teologia
da ressurreição e de escatologia: nos sinais sacramentais já está
espiritualmente presente a realidade futura, o reino dos céus, a vida que não
termina com a morte.
Sacramento é mistério...
É bom
lembrar ainda que, a partir do Concílio Vaticano II, a palavra “sacramento”
(que vem do latim) está sendo de novo entendida como “mistério” (palavra grega
que, nos primeiros séculos do cristianismo, foi traduzida por
“sacramento”). Falamos da Igreja como
mistério. “Mistérios” são também a eucaristia e o batismo..., porque neles
transparece para nós e nos atinge o mistério de Deus, a vida de Deus; Deus
enquanto realidade que sustenta e abrange tudo quanto existe. No sacramento
vivido como ação simbólica, o mistério aparece e atua: tocando os sinais
sensíveis, tocamos o mistério e somos transformados(as) por ele.
Isto
nos ajuda a não restringir o sacramento ao momento da celebração: a ação
sacramental faz aparecer o sentido de toda a nossa vida, vivida em comunhão com
Jesus Cristo, como experiência do mistério de Deus no mistério da vida humana.
Ajuda-nos ainda a não entender o sacramento como um gesto quase mágico
(batizou, salvou): é o mistério que atua em nós, é Deus, é o Espírito Santo do
Cristo ressuscitado, que vai, ao longo de toda a nossa vida e com a nossa
participação, nos transformando, nos revitalizando.
Os sacramentos são ações simbólico-sacramentais
Para
deixar claro esta realidade humano-divina, gosto de dizer que o batismo (assim
como os outros sacramentos) é uma ação simbólico-sacramental. “Simbólica”,
enquanto realidade humana: “sacramental”, enquanto realidade divina;
“simbólico-sacramental”, enquanto realidade humano-divina, na qual o divino e o
humano estão aliados, entrelaçados, inseparáveis. E espero que, assim, vocês
tenham se recuperado do primeiro susto com a pergunta que está como título
desde artigo! Sim, sacramentos são símbolos, ações simbólicas. Mas para
entender isso, você deve superar o sentido muito limitado que às vezes se dá no
linguajar cotidiano, quando se diz: “É apenas simbólico”, como se fosse uma
coisa que não deva ser levada muito a sério ou que não seja real!