Cardeal Odilo Pedro Scherer
Arcebispo de São Paulo (SP)
A nova encíclica do Papa Francisco – “Laudato sí – sobre o
cuidado da casa comum” – propõe uma reflexão fundamental para encarar com
seriedade e responsabilidade a questão ambiental. Antes de tudo, desvincula o
“discurso ecológico” das ideologias de partido, como se isso interessasse
apenas a alguns, ou a uma parte da sociedade. Por isso, o Papa não se dirige
apenas aos católicos e cristãos: o seu apelo é dirigido a toda a família
humana, a quem tem religião e a quem não tem também (cf n. 13-14).
A questão interessa a todos, pois se trata de cuidar da
“casa comum”, que é a natureza e, de modo geral, o mundo que nos hospeda,
abriga, sustenta e encanta, junto com todos os seres que o habitam. O subtítulo
da encíclica – “sobre o cuidado da casa comum” – dá a entender, justamente,
aonde o Papa quer chegar: que todos juntos cuidemos desse “bem comum global”,
que é a natureza.
A globalização, sobretudo da informação e do mercado, nos
permitem hoje perceber, melhor do que em outros tempos, que o mundo, sobretudo
nosso planeta Terra, por grande que seja, é uma “aldeia global”; nele, todos
estão relacionados e dependentes todos, no que acontece de bom e de mal, mesmo
sem o saber. E os estudos científicos também mostram sempre mais que, na
natureza, todas as coisas também estão relacionadas ente si e dependem umas das
outras.
Isso está plenamente de acordo com o relato da criação, no
começo da Bíblia. O ato criador de Deus foi também um ato organizador do
“abismo”, sobre o qual o Espírito do Criador já pairava, “no princípio” (cf Gn
1,1). Deus não deu origem ao caos, nem introduziu no mundo um princípio de
desordem e confusão, ou uma espécie de princípio de desagregação e destruição.
Pelo contrário: organizou todas as coisas com sabedoria e harmonia. E, depois
que havia feito todas as coisas, Deus “viu que tudo era bom”. Muito bom! (cf Gn
1,31). Nada estava em desordem na “casa comum”...
E, logo em seguida, vem a questão: quem foi que introduziu
novamente o caos e a confusão no mundo? Segue, então, a narração sobre o
pecado, lá nas origens da história do homem. E o paraíso deixou de ser um
“jardim” para o homem. Mesmo assim. Deus o confiou a terra ao homem e da mulher
para que dela cuidassem (cf Gn 3).
No primeiro capítulo da Encíclica, o Papa pergunta: Que está
acontecendo com nossa casa? Nada mais natural: se na nossa casa há goteiras,
infiltrações, rachaduras nas paredes, curtos-circuitos, insetos pelos cantos ou
mofo aparecendo nas paredes, nada mais natural que perguntar: que está
acontecendo? Que precisamos fazer para cuidar melhor da nossa casa? A primeira
coisa, é uma boa tomada de consciência da situação. É o que o Papa faz, ao
tratar da natureza, casa comum da família humana.
As constatações são aquelas que estão sendo faladas,
discutidas e divulgadas há tempos por muitos: poluição do ar, das águas e do
solo; mudanças climáticas, que começam a mostrar sempre mais claramente as suas
consequências; o problema da água potável que, além de escassear em muitas
partes do mundo, ainda está sendo desperdiçada, contaminada e empregada mal. E
quem mais sofre com isso? Aqui mesmo, em São Paulo, ameaçados pela carestia
desse bem indispensável à vida, estamos aprendendo duramente que a água potável
é um bem precioso, que precisamos cuidar melhor.
Mas existe mais: a natureza está perdendo rapidamente sua
biodiversidade, com muitas espécies em fase de extinção, ou já extintas. E não
é somente a natureza que se vai degradando: a qualidade da vida humana vai
junto com essa degradação. A vida social e as relações entre os povos são
marcadas por novas tensões e conflitos, em consequência de problemas
ambientais. A própria paz fica ameaçada. O problema do degrado ambiental já
passou até os limites da atmosfera: lá no alto, muito acima de nossas cabeças,
já flutua uma infinidade de “lixo” cósmico, produzido pelo homem. Onde as
coisas vão parar?!
O Papa Francisco constata que as reações do homem, de suas
organizações e seus governantes e responsáveis, ainda são muito fracas. Há
discussões infinitas, mas pouco consenso e ação efetiva para cuidar melhor da
nossa casa comum. Que fazer? Por onde começar?
Publicado em O Estado de São Paulo