Créditos: Redação Dom Carlos Lema Garcia
Um professor de jornalismo escreve numa revista, perguntando-se se é possível hoje ser sinceros e se a palavra ainda tem valor:
“Um belo dia ao chegar à sala onde trabalho, na biblioteca da Universidade, encontrei em cima da mesa uns pedaços de barro pintado de azul escuro. Eram os restos do pequeno recipiente que uso para guardar canetas, lapiseiras, etc.
- ‘Que azar – pensei – vou ter que comprar outra caneca’. Como era de barro barato não pôde aguentar ao cair no chão. Mas comecei a perguntar-me porque teriam deixado ali os pedaços daquele utensílio quebrado. Bem poderiam ter jogando no lixo, pensei. Então reparei numa notinha, um pequeno papel quadriculado, cuidadosamente escrito com letra grande, redonda, artesanal. E li.
‘Estava limpando a caneca, caiu-me das mãos. Quebrei-a. Desculpe. Fui eu’. E a assinatura.
Virei e revirei o papel, e tornei a lê-lo. Os meus olhos contemplavam cheios de admiração aqueles pedaços de barro, que continuavam ali sobre a mesa recém-limpa. Porque aquela declaração de culpabilidade? Sem dúvida manifestava dor; mas era sobretudo uma lição de sinceridade. Senti-me como um aprendiz.
Um jornalista, sempre à caça de notícia, deve descobri-la nas menores coisas. Não duvidei em convocar os estudantes que, em uma sala contígua, trabalhavam comigo no departamento. Expliquei-lhes o motivo daquela reunião imprevista: analisar um caso prático de comportamento sincero.
Depois de mostrar-lhes os pedaços da caneca e de ler em voz alta a nota, solicitei a sua opinião. Um estudante fez a primeira observação: estavam todos os fragmentos da caneca, portanto podia ser reconstruída. Outro sugeriu a possibilidade de escrever um artigo para a imprensa louvando aquela atuação. Alguém propôs que eu levasse à Reitoria um ofício de felicitação às pessoas do Serviço de Limpeza da Universidade.
Por fim adotamos duas ideias. Primeiro, colar com cuidado os pedaços de barro, para que a caneca continuasse servindo. Segundo, comprar uma caixa de bombons e deixá-la sobre a mesa - junto à caneca já colada -, com um cartão para a pessoa que costumava limpar a mesa, dizendo: ‘muito obrigado, N.’.
Na manhã seguinte veio ao meu escritório a encarregada do Serviço de Limpeza da Universidade. Desejava comunicar-me que havia visto as senhoras que limpam a biblioteca quase chorando à volta de uma caixa de bombons e sem querer abri-la, pois diziam que não a mereciam.
Outra lição, pensei: a sinceridade sempre vem da humildade e vice-versa. A partir de então passei a chamar a caneca quebrada de “caneca da sinceridade”.
Esse professor mostra uma grande valorização de coisas que foram se perdendo no nosso tempo: Porque aquela senhora escreveu o bilhete? Porque queria ser sincera. Porque assinou? Porque queria mostrar que era ela mesma que tinha feito aquilo. Mas ninguém a obrigava?! Aí está o bonito da história. O valor que ela concedeu à sua palavra. Porque o jornalista fez tanta agitação só por causa de uma caneca? Porque essa valorização da palavra é algo raro na nossa época. E ele, como jornalista, é especialmente sensível a isso.
A doutrina cristã ensina que a virtude da sinceridade “consiste em mostrar-se verdadeiro no agir e no falar, guardando-se da duplicidade, da simulação e da hipocrisia” (Catecismo da Igreja Católica, n. 2468).
Nós fomos feitos para a verdade, para a sinceridade. Toda a vida em sociedade se sustenta com a força da verdade, da palavra. Devemos aprender a dar valor à nossa palavra, tal como Jesus nos pede: “seja o vosso sim, sim e o vosso não, não. Tudo o que passar disso vem do Maligno” (Mt 5,37).