Cardeal Odilo Pedro Scherer
Arcebispo de São Paulo (SP)
Na encíclica “Laudato sì. Sobre o cuidado da casa comum”, o papa Francisco pede que vamos além de noções e preocupações apenas fragmentárias da questão ambiental: é preciso olhar os vários lados da questão. Não estaria bem, por exemplo, a preocupação com o desaparecimento de espécies animais e vegetais, que não fosse acompanhada com a preocupação diante da violência contra a pessoa humana. Na “casa comum”, nenhuma sujeira devede ser varrida para debaixo do tapete...
Somos parte do ambiente; devemos cuidar bem dele para que ele cuide de nós. A contaminação do ar, da terra e das águas faz mal para esses elementos da natureza; mas também faz para nós mesmos. Na natureza, tudo está relacionado e também interligado com os modos de vida da sociedade. O Papa observa: não há duas crises separadas, a ambiental e a social: há uma única crise sócio-ambiental muito complexa. E a sua superação requer uma abordagem integral, como cuidar do ambiente, combater a pobreza e dar dignidade aos excluídos (cf nº 139).
Quando a organização econômica da sociedade e dos povos é agressora e predatória do meio ambiente, a “casa comum” sofre danos. Por isso, também a economia precisa ser ecologicamente correta. Uma sociedade em crises e tensões, ou até conflitos, também provoca danos ao ambiente; países em guerra pouco se importam com os danos ambientais causados pelos conflitos em curso. Por isso, é necessário promover uma organização social harmônica e solidária, que possa dedicar-se melhor aos cuidados ambientais indispensáveis.
É preciso pensar também numa cultura ecologicamente correta; isso requer a elaboração de modos de vida afinados com as realidades ambientais. Uma visão consumista da vida só consegue enxergar a natureza como um depósito de bens a consumir; a ganância e o desejo desenfreado de lucro passam por cima de qualquer regra de bom senso em relação à preservação da natureza. Não se pode esquecer que não somos os primeiros, nem os últimos a ocupar este planeta; nossa cultura não deve ficar conhecida nos séculos futuros como aquela que deixou atrás de si terrenos desertificados, águas contaminadas e montanhas de lixo plástico... A cultura de cada povo e grupo humano precisa levar em conta o ambiente da vida.
O papa Francisco também aborda a dimensão humana da ecologia. Esta é uma preocupação relativamente recente, que vai no sentido inverso do movimento da globalização: enquanto este pode ter como efeito colateral a massificação e a destruição de culturas locais e originárias, a “ecologia humana” é movida pela preocupação de preservar a identidade das culturas locais e de grupos humanos minoritários. O desaparecimento de línguas locais deve merecer, no mínimo, preocupação semelhante à que se dedica à extinção de espécies animais ou vegetais...
A ecologia humana requer esforços de todo tipo para a superação de doenças, miséria e fome, de analfabetismo, ignorância, ódio e violência... Mas também requer políticas e investimentos para que todos tenham habitação digna, acesso à informação, oportunidades de trabalho e atenção social para os membros mais frágeis da comunidade. Requer a superação de preconceitos aviltantes, da mesma forma que se cuida para não sujar praças e ruas, ou para evitar incêndios florestais...
A ecologia do homem, observa o Papa, requer o estímulo para desenvolver um convívio humano dignificante, com comportamentos conformes à lei moral; sim, porque o homem, diversamente das plantas, pedras e bichos, é capaz de fazer escolhas livres e tem responsabilidade pelos seus atos.
O homem recebeu do Criador natureza e dignidade inigualáveis, que ele deve respeitar; inclusive seu corpo e sua sexualidade. Precisa também aprender a conviver harmonicamente consigo mesmo; “não é salutar um comportamento que pretenda cancelar a diferença sexual”, diz o Papa (cf. nº 155). Contrária à ecologia humana também é toda lógica de domínio de um sobre o outro, ou de exploração egoísta do próximo.
Publicado em O Estado de S. Paulo