Dom Murilo S.R. Krieger
Arcebispo de São Salvador da Bahia e Primaz do Brasil
Quando o assunto é família, todos concordam num ponto: ela é uma realidade ao mesmo tempo vigorosa e frágil. É uma instituição apreciada por muitos, desprezada por alguns e combatida por não poucos. Inserida na sociedade, beneficia-se com os seus progressos e sofre com os seus desafios. Por tudo isso, é preciso reconhecer: a família atravessa um momento de crise.
Antes de muitas análises e reflexões, cabe logo a pergunta: o que Deus tem a nos dizer sobre a família? Qual é a sua vontade a respeito dela? O Eclesiástico, livro escrito duzentos anos antes de Cristo, nos convida a servir nossos pais na alegria e a orar por eles, e nos adverte: "Quem honra o pai, expia os pecados; quem glorifica a mãe, é como se acumulasse tesouros" (Eclo 3,3).
Escrevendo aos cristãos da cidade de Colossos, o apóstolo Paulo lembrou-lhes as virtudes necessárias na vida de um discípulo de Cristo - virtudes que são essenciais no ambiente familiar: a compaixão, a bondade, a humildade, a mansidão, a paciência, o perdão, o amor, a paz e a gratidão (cf. Cl 3,12-15).
Jesus, o Filho de Deus, submetendo-se a José e a Maria, nos ensina que a transformação das pessoas e do mundo não se realiza por atos de orgulho e dominação, mas pela humilde obediência à vontade do Pai que está nos céus. Ele quis que Jesus vivesse numa família e nela crescesse "em sabedoria, idade e graça diante de Deus e dos homens" (Lc 2,52). Foi na família de Nazaré, escola de amor e compreensão, que Jesus se preparou para a sua missão.
Iluminados pela Palavra de Deus, temos agora melhores condições de responder à pergunta: Quais as características que a família de hoje deve ter para preparar adequadamente crianças e jovens para a vida?
Em primeiro lugar, ela tem como missão ajudar cada um a crescer como ser humano. Numa sociedade que facilmente nos transforma em robôs, a família apresenta-se como um importante centro de personalização. É nela que cada qual é acolhido como ser único e insubstituível, como ser livre, consciente e responsável.
Outro papel da família: ser evangelizadora, isto é, educadora da fé. Do ponto de vista cristão, ela tem como missão ensinar que Deus é Pai - um Pai que por amar infinitamente cada filho e filha quer vê-los vivendo na justiça, na fraternidade e no amor. Ele não aceita uma vida conduzida pelo egoísmo, tanto assim que seremos julgados pela lei do amor. Filhos do mesmo Pai, somos irmãos; ora, essa fraternidade deve manifestar-se por meio de gestos concretos de doação e solidariedade, especialmente voltados para aqueles que, morando ao nosso lado, sob o mesmo teto, são o nosso "próximo". Cabe à família descobrir formas de celebrar sua fé, procurar momentos para se unir em torno da Bíblia e relacionar-se com Deus pela oração. "A família que reza unida, permanece unida".
É missão da família preparar os filhos para a vida na sociedade. É na família que a criança aprende as leis básicas do comportamento social e o jovem desenvolve seu espírito crítico, descobrindo a diferença entre o bem, que deve ser buscado, e o mal, que deve ser evitado. Em seu interior, o diálogo é essencial, pois aproxima pessoas de idades, temperamentos, jeitos e gostos diferentes.
Formar pessoas, evangelizar e construir a sociedade. Trata-se de uma missão difícil para a família? Certamente! Isso prova que Deus tem altos planos para nós. Ele, que é Pai, ao mesmo tempo que faz nascer em nosso coração belos sonhos, possibilita sua concretização com a sua graça. Mais: pelo sacramento do matrimônio, torna a presença de Seu Filho Jesus uma realidade concreta nos lares que o procuram, buscam a sua bênção e o aceitam como Senhor.