Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo de Belo Horizonte
Estamos vivendo a catástrofe de um surto de incivilidades, avalanche de
barbáries que está assolando nossa sociedade. Constata-se a perda irracional
dos limites e, sobretudo, de referências, sem as quais tudo é possível,
inclusive escolhas que estão na contramão da cidadania. Aos rosários de
lamentações inevitáveis diante desse cenário desolador, é preciso acrescentar
uma efetiva atitude reativa. Somente assim não se permitirá que este tempo de
conquistas admiráveis da inteligência humana se sucumba diante das
irracionalidades que geram violências, corrupção, eleições “sujas”, insanidade
nas relações interpessoais e uma série de outros desafios que expõem o avanço
da desumanização.
Os números e estatísticas são indispensáveis como instrumento
de conscientização e sensibilização. Mas, o determinante nessa necessária
postura reativa é a identificação das raízes e causas produtoras desses
preocupantes cenários. O que se está vivendo é um grande drama social, com
perdas de rumo na busca da verdade, no gosto pelo bem e pela justiça.
Certamente, aí está um gargalo produtor de situações caóticas. Cada um
estabelece e busca impor o seu próprio critério. Os resultados têm sido
terríveis, como mostram os episódios em que se busca fazer “justiça com as
próprias mãos”. Infelizmente, vivemos um tempo de linchamentos,
desentendimentos com desfechos violentos, que muitas vezes resultam em perdas
irreversíveis.
A ordem, enquanto justiça e garantia de respeito irrestrito
à dignidade humana, tem um percurso e balizamentos éticos próprios. A
perda dessa referência é grave e torna-se um grande desafio chegar às
raízes dos males contemporâneos. Fixar o olhar nas bases que instauram a
desordem é o passo determinante para promover grandes mudanças. E alcançá-las
não se faz sem o que é próprio da fé, como experiência e como caminho para a
fonte perene dos valores essenciais. Ela é um patrimônio insubstituível da
pessoa, da família e sociedade, capaz de corrigir rumos e recompor o tecido da
cultura.
É hora de percorrer o caminho da fé. O colapso que se abate
sobre nós é uma séria crise de valores em razão da superficialidade que
emoldura o viver humano contemporâneo. Só dá conta de alcançar oequilíbrio e
seriedade quem se alimenta diariamente de sólidas referências. A dinâmica da
cultura contemporânea tem empurrado a sociedade para o esquecimento de um princípio
básico inegociável. Trata-se da justa compreensão de que o essencial está
na interioridade, vem das raízes, e não se resume nas coisas colocadas ao nosso
redor. Ao ignorar esse princípio, a humanidade alimenta a tempestade que tem
gerado naufrágios no percurso da vida. Todos precisam compreender que o
essencial está na interioridade. Caso contrário, perde-se o rumo, não se
consegue a força necessária para superar adversidades, perde-se o balizamento
da ética, escorregando na direção de todo tipo de imoralidade. A cultura
contemporânea está ficando cega para esse princípio, que se cultiva com a fé.
Compartilho a experiência vivida por nós, bispos da Conferência
Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), reunidos na Assembleia Geral que
será concluída hoje. Neste último dia, viveremos um tempo dedicado ao
investimento na fundamental experiência da fé. A conclusão da Assembleia será
com um retiro, marcado pelas orações, balizando uma carregada pauta de
trabalhos, debates, reflexões sobre temas relacionados à evangelização e à construção
da sociedade justa e fraterna. Meditaremos à luz de grandes personagens
bíblicos como Abraão, Maria - Mãe de Jesus, Pedro e Paulo. Deste modo,
amadureceremos a compreensão de que é peregrinando na fé que se consegue manter
a vida no rumo certo.
A partir dessa peregrinação, nós, bispos do Brasil,
encontramos força e fôlego para produzir, nesses dias de Assembleia, um
importante documento que indica o caminho para fortalecer as paróquias e
comunidades de fé, presença solidária e comprometida na vida do povo em
diferentes realidades, grande capilaridade da Igreja Católica. Também aprovamos
rico e corajoso documento sobre a Igreja e a questão agrária brasileira. Não
menos importante foi a abertura da reflexão sobre a cidadania de cada cristão
na Igreja e sua atuação testemunhal na construção da sociedade. Nesta direção,
desenvolvemos nosso Projeto Brasil, cujo coração é a continuação da luta pela reforma
política. Em resposta à crescente violência, foi aprovada, por unanimidade, a
vivência do Ano da Paz, do dia 30 de novembro de 2014 até o Natal de 2015,
quando serão promovidas ações para mudar este triste cenário de desumanidades.
O grande volume de assuntos tratados, encaminhamentos e compromissos assumidos
nos confirmam, às vésperas da Copa do Mundo, que é hora de avaliações e
escolhas de rumos novos, uma prolongada Copa de Civilidades. Se não jogarmos
esta Copa, não venceremos. É hora de chutar a bola que desfigura a civilidade.
Caso contrário, perderemos o jogo pela vida. Os cenários que
horrorizam nossa sociedade só serão vencidos se conseguirmos, com a graça da fé
alimentando nossa cidadania e o respeito à dignidade humana, jogar uma
Copa de Civilidades.