Reza a tradição eclesial que a Vigília de Pentecostes é uma das mais especiais celebrações da nossa Igreja. Como na vigília pascal, administrava-se o batismo, unido à crisma. Se a noite pascal dava mais ensejo para acentuar o batismo – morrer e ressuscitar com Cristo, – o tema pentecostal refere-se, antes, ao dom do Espírito, relacionado com a crisma. Por isso, esta vigília é vivíssima oportunidade ideal para a crisma ou, pelo menos, para um retiro dos jovens que conscientemente vão assumir a vida no Espírito Santo.
Caros irmãos,
O que é Pentecostes? Em Pentecostes nós renovamos a cena do “Cenáculo”. Cenáculo idealmente ligado ao de Jerusalém onde, há quase dois mil anos, se verificou a primeira prodigiosa efusão do Espírito Santo sobre os Apóstolos e Maria Santíssima. Naquele dia nasceu a Igreja una, santa, católica e apostólica. Una, porque é tornada mistério de comunhão pelo Espírito, ícone da Santíssima Trindade na terra; santa, porque o Espírito conserva nos seus membros a santidade de Cristo Cabeça; católica, porque o Espírito a estimula a anunciar a todos os povos o único Evangelho de salvação; Apostólica, porque através do ministério dos Apóstolos e dos seus sucessores, o Espírito a orienta pelas veredas da história.
Naquele tremendo dia os Apóstolos receberam os dons do Espírito Santo. Jesus ressuscitado dissera aos discípulos: “Permanecei na cidade até serdes revestidos da força do Alto” (Lc 24, 49). Isto aconteceu de forma sensível no Cenáculo, enquanto todos estavam reunidos em oração com Maria, Virgem Mãe. Como lemos nos Atos dos Apóstolos, repentinamente aquele lugar foi invadido por um vento impetuoso, e umas línguas de fogo pairaram sobre cada um dos presentes. Então, os Apóstolos saíram e começaram a proclamar em diversas línguas, que Jesus é Cristo, o Filho de Deus, morto e ressuscitado (cf. At 2, 1-4). O Espírito Santo, que com o Pai e o Filho criou o universo, que guiou a história do povo de Israel e falou por meio dos profetas, que na plenitude dos tempos cooperou na nossa redenção, no Pentecostes desceu sobre a Igreja nascente tornando-a missionária, enviando-a para anunciar a todos os povos a vitória do amor divino sobre o pecado e a morte.
O Espírito Santo é a alma da Igreja. Sem Ele, ao que se reduziria ela? Sem dúvida, seria um grande movimento histórico, uma instituição social complexa e sólida, talvez uma espécie de agência humanitária. E na verdade é assim que a julgam quantos a consideram fora de uma perspectiva de fé. Na realidade, porém, na sua verdadeira natureza e também na sua mais autêntica presença histórica, a Igreja é incessantemente plasmada e orientada pelo Espírito do seu Senhor. É um corpo vivo, cuja vitalidade é precisamente o fruto do invisível Espírito divino.
Queridos irmãos,
A Primeira Leitura da vigília desta noite, em que nós escolhemos a de Gn 11, a confusão das línguas por ocasião da construção de Babel, nos apresenta o que aconteceu no primeiro Pentecostes cristão, cinqüenta dias depois da ressurreição de Cristo. Descrevem a “tipologia veterotestamentária” do Pentecostes cristão.
A Segunda Leitura (cf. Rm. 8,22-27) nos apresenta as primícias do Espírito, que vem em socorro da nossa fraqueza. Somos salvos, mas ainda não é manifestada a nossa salvação. O que vemos é ainda fraqueza, pecado, morte, mas a Palavra de Deus nos revela nossa salvação, e o Espírito que recebemos é apoio para nossa fé, esperança e oração. Ele reza em nós, conhecendo melhor do que nós a nossa carência. Por isso mesmo o Salmo Responsorial(cf. Sl 104) canta a contínua “re-criação” do universo pelo “espírito de Deus”, princípio de vida divina na criação e na história, inspiração divina da vida, presença ativa de Deus em tudo o que acontece. Sem a participação de Deus, a criação nem sequer pode existir, e a história torna-se uma história de morte. O espírito de Deus não é alheio à matéria, mas serve para animar tanto a matéria biológica como “a matéria histórica” – nossa sociedade. O oposto do espírito não é a matéria, mas a carne, isto é, a auto-suficiência do homem. O espírito do amor de Deus deve transformar nossa história de “carnal” em “espiritual”.
Meus caros irmãos,
O Evangelho (cf. Jo 7,37-39) nos apresenta o lado aberto de Cristo, fonte do Espírito Santo. Na festa dos Tabernáculos, festa de luz e água, Jesus se revela como fonte de água viva. A água é força, Espírito de Deus. Elevado na cruz, Jesus derrama esta água de seu lado aberto. Quem acredita no Cristo exaltado, recebe dele o Espírito e a comunhão da vida divina.
Todos nós podemos aliviar a nossa sede com o Espírito que sai do lado aberto de Cristo, como as águas salvadoras saem do templo utópico de Ez 47. Enquanto Cristo não era glorificado, ainda não havia o Espírito. A glorificação de Jesus, na maneira de ver de João, é sua exaltação na cruz, que é a glória de seu amor e fonte do Espírito que ele nos dá. Celebramos, com Pentecostes, o dom do Espírito, que torna a glorificação de Cristo fecunda para os seus discípulos-missionários.
Caros irmãos,
Quando prometeu o Espírito Santo, o Senhor Jesus falou d’Ele como do “Consolador”, do “Paráclito”, que Ele mandaria de junto do Pai (cf. Jo 15, 26). Falou como do “Espírito de verdade”, que conduziria a Igreja rumo à verdade íntegra (cf. Jo 16, 13). E especificou que o Espírito Santo Lhe daria testemunho (cf. Jo 15, 26). Porém, acrescentou imeditamente: “Vós também dareis testemunho de mim, porque estais comigo desde o princípio” (Jo 15, 27). Agora que no Pentecostes o Espírito desce sobre a comunidade reunida no Cenáculo, tem início este dúplice testemunho: do Espírito e dos Apóstolos.
O testemunho do Espírito é por si só divino: provém da profundidade do mistério trinitário. O testemunho dos Apóstolos é humano: na luz da revelação, transmite a sua experiência de vida ao lado de Jesus. Lançando os fundamentos da Igreja, Cristo atribui uma grande importância ao testemunho humano dos Apóstolos. Ele quer que a Igreja viva da verdade histórica da sua Encarnação a fim de que, por obra das testemunhas, nela seja sempre viva e operosa a memória da sua morte na cruz e da sua ressurreição.
“Vós também dareis testemunho de mim” (Jo 15, 27). Animada pelo dom do Espírito, a Igreja sempre sentiu profundamente este compromisso e proclamou com fidelidade a mensagem evangélica em cada tempo e debaixo de todos os céus. Fê-lo no respeito da dignidade dos povos, da sua cultura e das suas tradições. Com efeito, ela sabe bem que a mensagem divina que lhe foi confiada não é inimiga das mais profundas aspirações do homem; pelo contrário, ela foi revelada por Deus para saciar, para além de toda a expectativa, a fome e a sede do coração humano. Exatamente por isso, o Evangelho não deve ser imposto, mas proposto, porque somente se for aceite livremente e abraçado com amor pode desempenhar a sua eficácia.
Que esta proposta salvadora, vinda com a efusão do Espírito Santo sobre cada um dos membros da Igreja, nos ajude a sermos autênticos anunciadores das maravilhas do Espírito que age e que nos protege, neste vale de lágrimas, a trabalharmos pelo Senhor da Vida. Encorajada pela memória do primeiro Pentecostes, a Igreja reaviva hoje a expectativa de uma renovada efusão do Espírito Santo. Assídua e concorde na oração com Maria, Mãe de Jesus, ela não cessa de invocar: desça o vosso Espírito, ó Senhor, e renove a face da terra (cf. Sl 104 [103], 30)! Veni, Sancte Spiritus: vinde, Espírito Santo, fazei arder nos corações dos vossos fiéis o fogo do vosso amor! Para vivermos sempre na presença da Trindade: FICA CONOSCO SENHOR!