Dom Caetano Ferrari
Bispo de Bauru
No Evangelho do domingo, 24 de abril, João falava do novo céu e da nova terra como morada de Deus. No de domingo, 01 de maio - Jo 14, 23-29 – prossegue narrando que Jesus disse a seus discípulos: “Se alguém me ama, guarda a minha palavra, e o meu Pai o amará, e nós (Eu e o Pai) viremos e faremos nele a nossa morada”. De novo aparece a palavra “morada”, agora aplicada aos homens. As coisas, terra e céu, e as pessoas se tornam morada de Deus quando elas acolhem o amor e vivem segundo o novo mandamento do amor. Onde existe o amor divino e fraterno tudo se torna novo, tudo vira morada de Deus. Jesus continua dizendo que o Pai, a seu pedido, enviará e deixará na pessoa que o ama o Espírito Santo, que recordará tudo o que Ele tem dito. Guardar as palavras de Jesus no coração é demonstrar amor a Ele e criar no seu interior as condições para receber a paz que o mundo não é capaz de dar. Por isso, Jesus afirma aos discípulos: “Deixo-vos a paz, a minha paz vos dou; embora não a dê como o faz o mundo”. A paz que Jesus dá vem do seu amor e produz uma alegria verdadeira, conforme suas palavras: “Não se perturbe nem se intimide o vosso coração... Se me amásseis, ficaríeis alegres porque vou para o Pai”. Três palavras se repetem sinalizando serem muito importantes, uma que já foi dita acima; são: morada, novo e amor. Dentre estas, a mais importante é o amor. O amor faz tudo ser novo, o mundo com todas as coisas, o homem todo e todos os homens, as estruturas sociais, a Igreja, a história, a vida, e, por conseguinte, transforma todas as coisas e todas as pessoas na morada de Deus. A proposta evangélica do mandamento novo é uma proposta de vida nova que se tece no amor. A vida nova em Cristo que recebemos desde o nosso batismo consiste em amar como Jesus amou. Deste modo, com estes destaques, estou focalizando a mensagem evangélica da Missa de hoje.
Preciso continuar uma reflexão que venho fazendo a conta-gotas. Tenho dito que nós cristãos precisamos defender as nossas verdades da fé cristã, não por serem nossas, nem novas nem velhas, mas por serem verdades, que estão sendo esquecidas ou que pouco ou nada contam na vida de hoje. Acompanho aqueles que dizem que precisamos voltar ao Catecismo. Com isso é preciso, sim, combater o pensamento da pós-modernidade, tido como politicamente correto pela sociedade burguesa, consumista, hedonista, o qual se baseia na ideia de que não há mais verdades que devem ser aceitas nem por todos nem por inteiro, senão por aqueles que livremente a elas aderirem no todo ou na parte que melhor lhes aprouver, e que tudo parece ser provisório, descartável, líquido. Então, dever-se-á admitir a liberdade individual para cada pessoa redigir o seu código pessoal de verdades, crenças, valores, princípios, aceitando como exceção obedecer a algumas regras mínimas de conduta social que garantam uma conveniente convivência interpessoal pacífica, a fim de que cada um possa tirar o melhor proveito da vida, levar a maior vantagem possível na vida, alcançar no mais alto grau a satisfação dos seus interesses para o bem de sua vida e da dos seus. Essa filosofia moderna na aparência, mas velha na ambição, tem diversos nomes: relativismo, individualismo, materialismo, secularismo, liberalismo, e outros ismos. No fundo, é puro egoísmo, idolatria contra o primeiro mandamento, está na base do pecado original. Pessoas que pensam assim fazem parte dos estratos mais instruídos da sociedade. Mesmo os que não sejam muito instruídos, atraídos que são pela miragem das promessas, se deixam levar por eles e todos juntos se organizam em diferentes frentes de atuação nos setores estratégicos de influência da sociedade. Apresentam-se como progressistas, modernos, protagonistas de ideias e comportamentos avançados, os inspirados construtores de um mundo finalmente emancipado e livre, de uma sociedade nova pós-cristã e de uma vida autônoma e feliz.
Quando a Igreja levanta a sua voz para proclamar do alto dos telhados o Evangelho da vida, anunciar Jesus Cristo, convidar à fé em Deus, ao arrependimento dos pecados e à conversão, à observância dos mandamentos divinos e à prática das obras de misericórdia em favor dos pobres e sofredores, ela é chamada de conservadora, fundamentalista, atrasada. Apelam para a laicidade, mas que é laicismo da pior qualidade (outro ismo), para dizer que a Igreja não deve se meter nestas coisas do estado nem dos direitos e liberdades das pessoas. É evidente que não só é direito como dever da Igreja levantar a sua voz para criticar e até mesmo condenar se for o caso a pauta predileta de políticas públicas que esses pensadores secularistas modernos querem impingir sobre a sociedade, como por exemplo: direito ao aborto, descriminalização das drogas, educação sexual nas escolas, ideologia de gênero, uso de embriões humanos para experiências em laboratório, ditadura do mercado livre ou do estado totalitário, primazia do dinheiro sobre o político e social, etc. No âmbito da política, o ideário dessa filosofia progressista atravessa todo o espectro da política partidária, da esquerda à direita, naturalmente acomodada ou interpretada segundo os interesses e objetivos de cada corrente de pensamento.
O magistério da Igreja constata que a crise cultural do mundo de hoje está visível na crise dos valores, a qual explica a crise política, econômica e financeira pelas quais muitos países estão passando. Essa crise, diz a Igreja: “interpela a todos, pessoas e povos, a um profundo discernimento dos princípios e dos valores culturais e morais que estão na base da convivência social”. Voltar aos fundamentos da fé cristã e da doutrina social da Igreja é absolutamente importante. A Igreja repropõe o amor como a chave para o desenvolvimento integral do homem e de todos os homens. Assim se lê no nº 582 do Compêndio da Doutrina Social da Igreja: “Para tornar a sociedade mais humana, mais digna da pessoa, é necessário revalorizar o amor na vida social – no plano político, econômico, cultural – fazendo dele a norma constante e suprema do agir”. O documento cita o Papa São João Paulo II que disse que “Só uma humanidade onde reine a civilização do amor poderá gozar de uma paz autêntica e duradoura”. E no 583 repete estas palavras do Papa: “Só a caridade pode transformar completamente o homem”.