Nas missas de domingo, 03 de abril, celebramos a Festa da Divina Misericórdia.
"A Minha imagem já está na tua alma. Eu desejo que haja a Festa da Misericórdia. Quero que essa Imagem, que pintarás com o pincel, seja benzida solenemente no primeiro domingo depois da Páscoa, e esse domingo deve ser a Festa da Misericórdia."
Atendendo ao apelo do próprio Jesus pelas palavras de Santa Faustina, João Paulo II estabeleceu o segundo domingo da Páscoa – tradicionalmente conhecido como Dominica in Albis – como a festa da Divina Misericórdia. E, este ano, ele mesmo será canonizado por ocasião da festa que instituiu.
Mas, o que é verdadeiramente a misericórdia de Deus? Qual a teologia que está por trás dessa bela festa da Igreja?
Em nenhuma outra obra divina essa realidade é mais palpável que na Redenção. O homem, que já era um nada diante de Deus pela simples condição de criatura, após o pecado, ficou, por assim dizer, "abaixo do nada". E foi por este homem que o próprio Deus se encarnou e manifestou a Sua misericórdia.
Quanto à questão se a Encarnação teria acontecido, mesmo que o homem não tivesse pecado, alguns teólogos escolásticos – como Duns Escoto – são da posição afirmativa: ainda se o homem não tivesse pecado, Deus teria se encarnado. O Aquinate, ao contrário, responde deste modo:
"As obras puramente voluntárias de Deus, sem haver nenhum débito para com a criatura, nós não as podemos conhecer, senão enquanto manifestadas pela Sagrada Escritura, que nos torna conhecida a vontade divina. Ora, como a Sagrada Escritura, sempre dá como razão à Encarnação o pecado do primeiro homem, mais convenientemente se diz que a obra da Encarnação foi ordenada por Deus como remédio do pecado, de modo que, se o pecado não existisse, a Encarnação não teria lugar. Embora por aí não fique limitado o poder de Deus; pois, Deus teria podido encarnar-se mesmo sem ter existido o pecado."
Tomás destaca que a Encarnação é um ato da soberana liberdade de Deus. Quando Ele decidiu encarnar-Se, em seu plano de amor, fê-lo como realidade que pressupunha a queda do homem. Não se deve ficar construindo hipóteses, como se Deus pudesse caber em raciocínios humanos, nem limitar o poder de Deus, que "teria podido encarnar-se mesmo sem ter existido o pecado".
"De dois modos podemos dizer que uma obra é grande. – Quanto ao modo de agir e então a maior obra é a da criação, em que o ser foi feito do nada. – Ou quanto à grandeza da obra. E neste sentido maior obra é a justificação do ímpio, que termina pelo bem eterno da participação divina, do que a criação do céu e da terra, que termina no bem da natureza mutável. Por isso, Agostinho, depois de ter dito, que maior obra é fazer do ímpio um justo, que criar o céu e a terra, acrescenta: O céu e a terra passarão; porém a salvação e a justificação dos predestinados permanecerão."
Entretanto, quando Deus nos perdoa e não nos pune por nossos pecados, não está, de certo modo, cometendo uma "injustiça"? Segundo Tomás, não:
O perdão misericordioso concedido aos pecadores não está "abaixo" da justiça – como que a contrariando –, mas "além" dela. Em Deus, não existe "justiça comutativa" – dar a alguém aquilo que se lhe deve –, já que Ele não deve nada a ninguém. O que há é a "justiça distributiva", em que Ele distribui seus dons aos homens, dons que não lhes eram devidos; obras, portanto, de Sua misericórdia.
A tal ponto chegou a bondade de Deus que, não se contentando em compadecer-Se e encarnar-Se para nos salvar, quis deixar-nos o precioso dom da Eucaristia, a fim de que, comungando quotidianamente de Seu próprio Corpo e Sangue, nos santificássemos. Então, como Ele nos deu tanto, devemos respondê-Lo com muito, ao invés de presumirmos de nossa salvação e afundarmo-nos no pecado. Diz Nosso Senhor a Santa Faustina: "A falta de confiança das almas dilacera-Me as entranhas. Dói-Me ainda mais a desconfiança da alma escolhida. Apesar do Meu amor inesgotável, não acreditam em Mim, mesmo a Minha morte não lhes é suficiente. Ai da alma que deles abusar!".
Ora, não se disse, no começo do programa, com o Aquinate, que "não é próprio de Deus contristar-se"? Como, então, entender a mensagem de Jesus, que diz sentir dilaceradas as Suas entranhas pela "falta de confiança das almas"? Que se entenda: Nosso Senhor verdadeiramente sofreu, ao encarnar-Se e experimentar a Paixão. Mas, considerando que agora está no Céu, em corpo glorioso, e não pode mais sentir dor, dizer que Deus "se entristece" ou "sente dor" não é nada mais que um recurso metafórico e pedagógico para fazer as pessoas compreenderem o quanto Ele ama os homens. Não se pode atribuir paixões a Deus: Ele realmente nos amou, nos ama e nos amará eternamente, porque não revoga seus decretos de amor. Entretanto, a dor propriamente dita só aconteceu no coração humano de Cristo em seu suplício terreno.
Por isso, a festa da Divina Misericórdia e a devoção a Jesus misericordioso são uma forma de renovar a tradicional devoção ao Sagrado Coração de Jesus; de celebrar o coração humano de Cristo que amou a Deus infinitamente e fez-Se vítima para salvar a humanidade.