Dom Demétrio Valentini
Bispo de Jales (SP)
Em tempos de campanha eleitoral, é bom dar-nos conta
que existem outras “campanhas”, mais arejadas e mais claras em seus objetivos.
Uma delas, sem dúvida, é a campanha contra a fome no mundo,
lançada pela Cáritas Internacional, e assumida pelas Cáritas nacionais, em mais
de 150 países. Uma campanha, portanto, que conta como apoio institucional
de uma das organizações mais ativas hoje no mundo.
O lema da campanha é abrangente e motivador. “Uma família humana,
pão e justiça para todas as pessoas!”
Se todas as Cáritas estão dispostas a abraçar esta campanha,
podemos dizer que a Cáritas Brasileira se sente particularmente envolvida, dado
que o Brasil é um dos maiores produtores de alimentos no mundo.
Esta constatação nos apresenta diversas interpelações. Com
vastas extensões de terras cultiváveis, e sendo um dos poucos países
que ainda podem estender sua fronteira agrícola, ao se falar em fome, o Brasil
precisa mesmo se sentir questionado.
Com a pauta de exportações de alimentos tão significativa, o Brasil bem que
poderia urgir uma política mundial de produção e distribuição de
alimentos, que superasse a esfera meramente comercial dos produtos
alimentícios.
Pois de fato, uma das questões pendentes em todas as esferas
políticas é o caráter prioritário que deveria merecer a circulação mundial de
produtos alimentícios. O alimento não pode se relegado à condição de mera
mercadoria.
Neste sentido, é evidente a complexidade da questão, pela
incidência que uma determinada decisão tem sobre outras. As medidas adotadas
para a esfera da comercialização têm reflexos imediatos na esfera da produção.
É por isto que a agricultura é a atividade econômica que mais precisaria ser
regulamentada com critérios humanitários, sem desconhecer sua dimensão
comercial, que também precisa de adequada valorização.
Pois às vezes acontece que uma determinada ação
governamental para baixar os preços dos produtos agrícolas, acaba penalizando
os agricultores que os produziram.
Tudo isto para dizer que esta campanha contra a fome no
mundo tem horizontes amplos, e traz questionamentos de ordem política e
administrativa.
Mas independente destas complexidades, a campanha tem
caráter de urgência, e pode contar com a adesão de todos, e se expressar
através de diversas iniciativas, que precisarão contar necessariamente com a
arrecadação de recursos financeiros, que no seu destino poderão ser
convertidos em alimentos que possam chegar ao alcance dos mais de um bilhão de
famintos no mundo.
Assim, o sistema financeiro, que é o setor que mais
lucra com a ordem econômica vigente hoje no mundo, poderá prestar o bom
serviço, de ser o mediador da solidariedade humana, nesta causa tão nobre de
saciar a fome dos famintos.
Outro aspecto importante desta campanha é o apoio que ela já
recebeu do Papa Francisco. Para entender o peso deste apoio, é bom dar-nos
conta da estratégia do Papa em pautar seu pontificado. Ele fez diversos gestos
simbólicos, que encontraram grande receptividade no mundo. Mas não bastam os
gestos. Ele tomou algumas iniciativas, que podem ser chamadas de exemplares,
para sinalizar ações mais envolventes. Pois bem, uma das iniciativas simbólicas
foi o apoio dado a esta campanha da Cáritas, que ele quis assumir como sendo de
toda a Igreja. Com isto, ele aponta as ações concretas contra a fome,
como sendo a maneira prática dos cristãos colaborarem com a vida digna de todas
as pessoas. Assim a Igreja atende o apelo de Cristo: “Dai-lhes vós mesmos de comer!".