Dom Anuar Battisti
Arcebispo de Maringá (PR)
“O problema que divide os homens de hoje não é de ordem
política, mas de ordem social. Trata- se de saber quem terminará vencedor, se o
espírito de egoísmo ou o espírito de sacrifício; e se a sociedade será uma
sociedade de lucro sempre maior para proveito dos mais fortes ou de dedicação
de cada um ao bem de todos e, sobretudo, para a defesa dos mais fracos.
Muitos têm em demasia e, todavia, querem ter mais; outros não
têm o suficiente ou não têm nada, e querem obter pela força oque não lhes dão.
Prepara-se uma guerra entre estas duas classes e ameaça ser terrível: de um
lado, o poder da riqueza; do outro, a força do desespero. Nós devemos nos
interpor entre esses dois lados, se não para impedir o choque, ao menos para
suavizar o confronto. Nossa juventude e nossa modesta condição podem
facilitar-nos a tarefa de mediadores, tarefa esta que nossa condição de
cristãos parece exigir-nos como obrigatória. Eis aqui a possível utilidade de
nossa Conferência São Vicente de Paulo”.
Esta afirmação encontrada nas cartas da Juventude, de 1836,
do bem aventurado Antônio Frederico Ozanam, fundador das Conferências
Vicentinas, são de uma atualidade impressionante. O que nós assistimos hoje
senão a guerra dos
excluídos, buscando maior dignidade, justiça, igualdade.
Os fatos que ainda estão em nossa memória, acontecidos nas vésperas
da Jornada Mundial da Juventude no Rio, da Copa do Mundo no Brasil, não foram
sinais de guerra entre humanos insatisfeitos com a situação do país e do mundo?
O que seria do mundo se a Igreja católica e as mais variadas
congregações, associações e movimentos cristãos, não tivessem entendido a
exigência da caridade e do amor, criando as mais variadas obras de caridade?
Neste mês celebramos trinta anos do Asilo São Vicente de
Paulo, uma obra de Deus, onde só existe caridade, amor concreto, para noventa e
seis homens e mulheres no declinar da vida, para viver o tempo de Deus com
dignidade.
“Se não sabemos amar a Deus como os santos o amavam, isso
deve ser para nós um motivo de reprovação, ainda que nossa debilidade pudesse
nos dar um motivo para nos dispensarmos, visto que, para amar, parece que faz
falta ver, e nós vemos a Deus só com os olhos da fé. E nossa fé é tão
debilitada! Mas os pobres, os pobres que vemos com um olhar humano, nós os
temos diante de nós, podemos tocar suas chagas com nossas mãos e ver as feridas
da coroa de espinhos em sua cabeça. Sendo assim, não podemos deixar de crer,
mas devemos prostrar-nos a seus pés e dizer-lhe com o apóstolo: ‘Meu Senhor e
meu Deus!’ Vós sois nossos senhores e nós, vossos servos; vós sois a imagem
sagrada deste Deus a quem não vemos, e, não podendo amá-lo de outro modo, o
amaremos em vossa pessoa” (Bem aventurado Frederico Ozanam).
Como o exemplo da caridade de São Vicente, através das
Conferências Vicentinas criadas por Ozanam, temos milhares de outros
testemunhos, onde o amor-caridade é a razão do trabalho.
Os impérios caem, as riquezas apodrecem, o abismo entre
ricos e pobres aumenta, os pobres lutam para ganhar o pão de cada dia, o mundo
clama por mais amor, justiça e igualdade.
O mundo, a sociedade está doente. O remédio está no coração
de cada cidadão. Ninguém deve imitar Pilatos, lavando as mãos, se declarando
inocente e sem compromisso. O momento clama pela solidariedade de todos, para
que as obras sociais e de promoção humana, continuem fazendo o bem, para um
mundo de paz e de fraternidade.