Cardeal Odilo Pedro Scherer
Arcebispo de São Paulo (SP)
Nem bem absorvemos as ricas e variadas mensagens da Jornada
Mundial da Juventude e já nos encontramos a celebrar, como todos os anos, o mês
das vocações no Brasil. De fato a própria JMJ já teve também um forte apelo
vocacional. Muitos jovens participantes, certamente, sentiram, de maneira
forte, a voz interior para viver bem a vida, não importando em qual estado de
vida.
A primeira vocação é o chamado de Deus à vida e a vivê-la na
correspondência com o desígnio de Deus. A isso, o papa Francisco exortou os jovens
de muitas maneiras, quando os encorajou a não perderem a esperança, a não se
conformarem com o consumismo e o hedonismo, a terem a coragem de ir contra a
corrente, a serem solidários... Viver, humanamente, de forma plena e frutuosa,
também é parte da vocação à fé e à vida cristã. O Papa Francisco exortou os
jovens a serem protagonistas de um mundo novo.
Agosto, mês das vocações, no Ano da Fé: que há de novo
nisso? As vocações, na Igreja de Cristo, não são compreensíveis a não ser à luz
da fé. O que dá sentido à vida do padre e à sua dedicação “às coisas de Deus”?
Por qual motivo alguém parte para as missões no meio de povos que não conhece e
a eles dedica sua existência inteira? O que explica que alguém consagre sua
vida inteiramente a Deus, já neste mundo, vivendo desapegado de coisas boas que
a vida oferece? Como explicar que jovens continuem a casar e casais vivam,
mesmo com dificuldades, um casamento fiel, santo e sintonizado com a vontade de
Deus?
A resposta é só uma: a fé, como resposta a Deus, fruto de
uma profunda experiência de Deus. A fé verdadeira faz perceber a vida a partir
de um horizonte novo, que não despreza o horizonte das realidades humanas e das
deste mundo; a fé é uma luz sobrenatural, que se irradia sobre toda a realidade
e a faz conhecer a partir do olhar de Deus. Não é por acaso que o título da
encíclica do papa Francisco sobre a fé é: “Lumen Fidei” – A Luz da Fé. A fé,
dom de Deus, dom sobrenatural, dá uma capacidade que vai além da nossa
natureza. Na Carta aos Hebreus lemos que “a fé é um modo de já possuir o que
ainda se espera; é a convicção a respeito de realidades que não se vêem” (Hb
11,1).
Sem fé, não há vocação sacerdotal ou religiosa, nem vocação
ao matrimônio ou verdadeira vocação laical. “Sem a fé, é impossível agradar a
Deus, pois é preciso crer que Ele existe e recompensa os que dele se
aproximam”, diz ainda a Carta aos Hebreus (11,6). A vocação, no sentido cristão
e eclesial, nasce e se desenvolve no diálogo da fé, na consciência das pessoas,
no ambiente de oração, de escuta da Palavra de Deus e de prática da vida
cristã. Sobre isso, falou de maneira magistral o Beato João Paulo II na
Exortação Apostólica pós-sinodal “Pastores dabo vobis” – Dar-vos-ei Pastores...
Muitas vezes pergunta-se por que as vocações diminuem? Por
que não despertam novas vocações sacerdotais e religiosas? As respostas podem
ser várias, mas a principal é esta: por causa da generalizada crise religiosa e
da crise de fé. A abundância de religiosidades ainda não significa abundância
de fé cristã. Sem um clima de fé nos vários ambientes que formam e marcam as
pessoas, dificilmente surgem vocações; a fé, experimentada e vivida pessoal e
eclesialmente, torna possível o surgimento das vocações.
A vida na fé, consciente, serena e alegre, faz perceber e
valorizar o chamado de Deus; ao mesmo tempo, torna possível cultivar e manter
uma ordem de valores e escolhas na vida, para perseverar na resposta ao chamado
de Deus. A conclusão necessária, pois, parece-me ser esta: ajudar os jovens a
terem uma boa iniciação à vida cristã, como “vida na fé”, nos vários ambientes
em que ele vive. Mas, sobretudo, nos espaços da família e da comunidade
eclesial. Isso ainda é possível? A JMJ foi uma amostra dessa possibilidade.