No final de maio comemoramos um ano do lançamento da Encíclica Ecológica do Papa Francisco, considerada um presente para o planeta Terra. Certamente não foi um lindo documento que fica apenas na memória festiva dos primeiros meses de seu lançamento, mas, ao contrário, mantém a sua eficácia duradoura pelo impacto que ela tem causado nas pessoas e nas instituições. Dois aspectos mantêm a chama viva da “Laudato Si”, que agora começa a ser estudada com mais detalhes pelas ciências sociais, humanas e teológicas, como também pelos inúmeros movimentos da sociedade civil em defesa do meio ambiente. O primeiro consiste no seu conteúdo profético, no qual aparece uma crítica das visões e posturas que tem contribuído para intensificar a crise ecológica em que vivemos, como a mutilação na obra da Criação, o consumismo exagerado que suga de maneira desenfreada os recursos da terra, a cultura do descarte antropológico e ambiental, a visão fragmentada existente na sociedade e nas ciências, o individualismo desordenado que impede uma relação mais profunda com o Criador e as criaturas, o relativismo prático que trata as pessoas e a natureza como meros objetos, a exploração excessiva dos ecossistemas, o desperdício que aumenta a desigualdade, a extinção de espécies, o aquecimento global que penaliza, sobretudo, os mais pobres, as interpretações hermenêuticas incorretas dos textos sagrados, a falta de uma maior eficácia das cúpulas mundiais sobre o meio ambiente etc. A “Laudato Si” é também profética porque aponta novos horizontes mais sustentáveis, uma visão mais sistêmica de mundo, uma relação mais estreita entre as questões sociais e ambientais, uma destinação mais nobre dos bens comuns, uma maior prioridade pelas vidas vulneráveis, um novo estilo de vida mais simples e menos consumista, a importância em valorizar os pequenos gestos na mudança dos hábitos, uma relação mais respeitosa com todos os seres vivos, uma visão menos antropocêntrica e mais teocêntrica da Criação, um diálogo maior com as diferenças, uma relação mais amorosa com a natureza, uma ecologia mais integral, uma relação mais amorosa com os seres vivos e os seus respectivos ecossistemas etc. Esta dimensão profética é fundamental para realizar a chamada conversão ecológica, ou seja, uma mudança de mentalidade, de hábitos incorretos e de posturas que desvirtuam a nossa missão de guardiões da Criação, dom que recebemos do Criador para cuidar, amar e administrar com responsabilidade aquilo que Ele colocou em nossas mãos, não como donos, mas zeladores da casa comum.
O segundo aspecto que mantém viva a “Laudato Si” é o seu caráter de convergência entre as preocupações das sociedades, das ciências e das Igrejas. Como documento aberto, escrito para os crentes e não crentes, a Encíclica Ecológica continua atendendo os apelos das diferentes sociedades mundiais que, diante das mudanças climáticas, desejam buscar caminhos mais sustentáveis para superar a deterioração da qualidade de vida, as condições maléficas das poluições, a preservação do patrimônio ecológico e ambiental, as rupturas entre o ser humano e a natureza, entre outros. As ciências clamam por uma visão mais interdisciplinar e menos fragmentada, uma busca de soluções tecnológicas mais limpas, uma maior diversificação das matrizes energéticas, uma integração maior entre as especializações e uma visão mais integral que permite compreender as complexidades antropológicas e ambientais etc. As diferentes denominações religiosas, e suas respectivas Igrejas, também clamam por uma ética e uma espiritualidade mais inspiradora em suas tradições, pois todas têm a missão de religar o que está desligado, combater as rupturas promovendo alianças entre Criador e criaturas, testemunhar com palavras e gestos o compromisso com um mundo que seja mais condizente com os desígnios de Deus, ajudar a preservar a obra da Criação, deixando que ela manifeste a beleza, o amor e a singularidade de cada ser criado, promover o respeito entre os seres humanos e não humanos, e realizar hermenêuticas que sejam mais verdadeiras com os livros sagrados, evitando as leituras manipuladoras e fundamentalistas.
Celebrar um ano do lançamento da “Laudato Si” é assumir um compromisso com a missão que é de todos nós que habitamos a casa comum planetária, sem medo de criticar as insustentabilidades sociais e ambientais, e olhar com coragem e esperança que podemos mudar o que não está bem no mundo onde vivemos, lembrando sempre da herança intergeracional que devemos assumir com as gerações presente e futura. Louvado Sejas!
Pe. Josafá Carlos de Siqueira (Reitor da PUC)