quarta-feira, 16 de julho de 2014

VISITA À DIOCESE DE ÓBIDOS



O rio Amazonas desce caudaloso e pachorrento até fazer curva à altura de Óbidos, no oeste do Pará; aí se estreita e se aperta contra uma falésia alta e escorre apressado e revolto, até alargar-se novamente e continuar o seu curso rumo à foz, no Atlântico. Óbidos fica no alto da falésia, bem vistosa, coisa pouco comum na imensa planície amazônica. Conserva ainda vários casarões de época portuguesa, com suas sacadas e azulejos bem típicos. O pequeno porto é movimentado e serve de entreposto para os produtos trazidos do “interior” e o abastecimento de todo tipo de produtos.
Fundada pelos portugueses já no século 17, numa área dos índios Pauxis, Óbidos foi importante postação de defesa e proteção do território do médio Amazonas. Ali, no alto da colina, havia um forte bem guarnecido, hoje não mais existente. Com os portugueses, também chegaram os missionários, primeiro os Jesuítas e, a seguir, os Capuchinhos da Piedade e os Frades Menores Franciscanos; todos foram expulsos da Amazônia por Pombal e, em 1750, a missão foi entregue aos padres seculares.
Os franciscanos voltaram a Óbidos em 1909 e desenvolveram intensa ação missionária, como parte da prelazia de Santarém, também entregue aos Franciscanos. Em 1957, o papa Pio 12 criou a prelazia de Óbidos, entregando-a aos cuidados dos Franciscanos. Dom Floriano Löwenau, OFM, foi seu primeiro bispo, ainda recordado pelo povo com imenso reconhecimento pelo muito que fez pelo atendimento religioso, social e cultural da população. Depois veio Dom Martinho Lammers, OFM, homem simples e dedicado ao povo.
Desde 2012, Óbidos é diocese; seu território, equivalente ao do Estado do Paraná, estende-se pelas duas margens do rio Amazonas mas, sobretudo, pelo lado norte, alcançando as Guianas e o Suriname.  Sua população, espalhada em 8 paróquias e centenas da comunidades ribeirinhas e de “terras altas”, não atinge 300 mil habitantes. Os traços indígenas são fortes mas as reservas indígenas são poucas, sobretudo no norte da diocese.
Dom Johannes Bahlmann, há 6 anos, é o bispo diocesano. Franciscano, nascido na Alemanha, mas vindo ao Brasil ainda jovem, como leigo, trabalhou como frade no Convento São Francisco, no centro histórico de São Paulo. Dom Bernardo, como é conhecido pelo povo, é dinâmico e está sempre em movimento pela diocese, rio acima, rio abaixo, ou por estradas mal transitáveis, visitando as comunidades e animando a missão e a vida eclesial. Atento às necessidades e desafios da evangelização, cuida de formar os agentes de pastoral, de prover de estruturas pastorais as comunidades e de marcar presença na sociedade através de obras sociais e culturais.
Uma semana com ele, no início de julho, permitiu conhecer um pouco das “alegrias e esperanças, angústias e sofrimentos” do bispo e da Igreja que está inserida na história de Óbidos. As distâncias, o clima tropical e o ritmo severo da natureza fazem parte do dia-a-dia vivido pelo bispo e sua diocese na Amazônia. Mais missionários seriam necessários. Com Dom Bernardo, celebramos a eucaristia e numerosas crismas em duas comunidades distantes. O povo é lutador, fervoroso na sua fé e também orgulhoso da sua história, da qual fazem parte a presença e a ação dos missionários.
A catedral diocesana está no alto da colina, de frente para o rio Amazonas, bem visível para quem chega de barco. Atualmente, está em reforma. A padroeira da diocese é Sant’Ana, desde a chegada dos primeiros missionários portugueses. A imagem já está enfeitada no seu andor, pronta para sair em procissão fluvial no chamado “círio de Sant’Ana”. A festa, no dia 26 de julho, é de longa tradição, muito apreciada pela população do médio Amazonas.
Há algum tempo, as Irmãs Franciscanas da Ação Pastoral e as Irmãos da Congregação de Santa Catarina de Alexandria iniciaram uma presença missionária em Óbidos. Ali existe muito espaço para a colaboração missionária. É interessante dar-se conta como a preocupação com a “nova evangelização” permeia a vida eclesial, mesmo de dioceses que enfrentam mil dificuldades. Apesar de suas diferenças, isso tem muito em comum com o que acontece em regiões mais urbanas: o incentivo à vida cristã nas comunidades menores, a boa celebração da Liturgia, a pregação assídua, a formação de agentes de evangelização, a valorização da memória da fé e da vida eclesial, a presença social, o testemunho público da fé e o estímulo à religiosidade popular.
A nova evangelização não é uma teoria, nem resulta de especulações acadêmicas: ela é fruto da “conversão pastoral” e de práticas de vida eclesial animadas por intenso zelo e pela “alegria do Evangelho”. E isso vale tanto para a Amazônia, como para as metrópoles, como São Paulo.


Artigo publicado no Jornal O São Paulo, Edição 3010 - 8 a 15 de julho de 2014


Arcebispo de São Paulo