quarta-feira, 23 de julho de 2014

CAMPANHA DA FRATERNIDADE 2015

A Campanha da Fraternidade de 2015 terá como tema “Fraternidade: Igreja e Sociedade” e lema “Eu vim para servir” (cf. Mc 10,45). A Campanha será inserida nas comemorações do Concílio Vaticano2º com base nos documentos Lumen Gentium e Gaudium et Spes, sobre a missão da Igreja no Mundo.
Com a publicação do documento de Estudos 107 da CNBB, sobre “Cristãos leigos e leigas na Igreja e na sociedade”, o tema tem sido refletido em todo o Brasil. O jornal O SÃO PAULO, semanário da Arquidiocese, conversou com o padre Thierry Linard de Guertechin, jesuíta nascido na Bélgica e residente no Brasil desde 1975. Filósofo, teólogo, demógrafo e geógrafo, padre Thierry é especialista em temáticas sociais e, atualmente, diretor do Instituto Brasileiro de Desenvolvimento.

O SÃO PAULO – Como se dá, hoje, a relação Igreja e  Sociedade?
Padre Thierry – A fé deve se traduzir em obras. Uma fé que fica só no ambiente eclesial, “na sacristia”, não produz nada. Obras sociais, outros tipos de obras, fazem parte de uma entonação da fé que vai ao encontro da realidade na qual se vive. É essencial viver bem a relação Igreja e Sociedade, porque somos cristãos, mas ao mesmo tempo, cidadãos. Por isso, é preciso assumir as duas identidades de igual maneira. Para que se possa viver essa realidade em todos os âmbitos, é importante que a hierarquia da Igreja viva num modelo teológico que favoreça esta interação entre Igreja e Sociedade, e, por isso, escolher bem a teologia na qual se baseia toda a ação eclesial. Assim, é preciso perguntar sempre sobre qual delas abre espaço para mais participação e automaticamente ajuda a valorizar a presença do leigo no mundo. O drama que se vive hoje é o divórcio entre Igreja e Sociedade, sem articulação.
O SÃO PAULO – A partir de quando começaram as discussões sobre o Estado Laico no Brasil?
Padre Thierry – A partir do Concílio Vaticano 2º, a Igreja, com documentos como a Lumen Gentium e Gaudium et Spes. Depois disso, a partir dos anos 1990, vai se aprofundando a questão do Estado Laico por outra parcela da sociedade. As pessoas sem religião representem apenas 8% da população brasileira, mas esta minoria acredita que a política e o Estado devem estar livres de interferência direta das Igrejas. Durante muito tempo a Igreja teve um papel importante na formação da sociedade, sobretudo no que se refere à promoção dos valores humanos. Hoje, porém, com um governo dividido e a economia nas mãos dos banqueiros, a questão social está nas mãos de alguns partidos que insistem, principalmente, num estado anticlerical.
O SÃO PAULO – A Igreja Católica encontra dificuldades práticas neste contexto?
Padre Thierry – Então, está se reduzindo muito a presença pública da Igreja em questões sociais, até mesmo devido às mudanças nas leis. A dimensão social da fé é visível e há muitos trabalhos sociais em diversos âmbitos, principalmente nas periferias e favelas das grandes cidades. A sociedade laica tem sentido à medida que o laicismo é político, ou seja, está restrito à organização política. Um Estado precisa agir de maneira positiva, dialogar com todas as religiões. O problema é que, no Brasil, o Governo tem muita dificuldade em dialogar e, acaba criminalizando alguns movimentos. Não só os religiosos. Quem governa deve estar totalmente aberto ao diferente e ao diálogo.
O SÃO PAULO – Quais as vantagens e desvantagens de um Estado Laico?
Padre Thierry – O Catolicismo foi, durante muitos séculos, a religião oficial do Estado em muitos países do Ocidente. Isso se deu a partir da conversão do imperador romano Constantino. E, mesmo depois da separação Igreja e Estado, o Catolicismo teve sempre grande influência nas decisões. Essa influência tem diminuído gradativamente na sociedade pós-moderna. Então, para mim, as vantagens estão relacionadas à vivência de uma democracia plural que reconhece religiões diferentes e que o Catolicismo não tem mais monopólio. Assim, o papel do Estado é garantir que as religiões possam conviver em paz. Isso é o mais importante.
Já em relação às desvantagens, num País religioso como o nosso, o povo tem uma multipertença. A partir de uma dificuldade pessoal, as pessoas transitam entre as religiões buscando solucionar seus problemas. Isso dificulta a concepção de Estado Laico, pois para que haja respeito mútuo, as pessoas precisam saber o que são e o que querem e não há Estado que assegure o diálogo quando as pessoas não conhecem sua própria identidade. Do contrário, não há diálogo, há confusão.

O SÃO PAULO – Qual a diferença entre Estado Laico e secularismo?
Padre Thierry – Importante não confundir Estado Laico com secularismo. O secularismo é um sistema de valores que atinge até o próprio cristão. Por exemplo, na Europa, a Dinamarca ou a Suécia, há ainda uma religião de Estado, mas são países muito secularizados. Não podemos dizer que um Estado Laico é um Estado Secular.
O SÃO PAULO – Há também aqueles que se incomodam com a frase “Em nome de Deus” na Constituição brasileira. O que o senhor diria?
Padre Thierry – Sou europeu e, por isso, me refiro à Europa que não tinha “Em nome de Deus” na Constituição, mas negou qualquer referência à Tradição Cristã. Isso significa negar o passado, e quem não tem passado não tem futuro. Temos que assumir cada um como pessoa e um grupo, uma comunidade, qual foi o nosso passado, e se reconciliar com o passado. Se pensarmos no povo alemão que passou pelo nazismo, sofreu a guerra e está recomeçando a cada dia, tentando se reconciliar consigo mesmo. São os sistemas autoritários que apagam o passado. Os franceses quiseram também apagar o passado e mudar o calendário. Isso é uma visão funcionalista que não funciona. Você pode se converter e aprender a olhar o passado de outro jeito, mas o passado fica sempre. Por isso, retirar simplesmente o texto da Constituição, pode ser um passo perigoso.
O SÃO PAULO – Como fica neste contexto, o acordo Brasil e Santa Sé?

Padre Thierry – Esse acordo tem a vantagem de permitir que a Igreja tenha uma definição particular, porque muitas Igrejas vivem segundo o regime do Código Civil, mas isso também tem problemáticas, porque o Código Civil tem associações, presidentes etc. A Igreja, porém, não é uma associação. Por exemplo, quem nomeia os bispos é Roma. Não é uma assembleia geral que decide. Assim, há um modo de ser que ultrapassa as definições jurídicas estabelecidas. Este acordo é importante, portanto, para que a Igreja diga, perante do Estado, que tipo de instituição ela é e isso lhe assegura o direito de continuar a sua missão.