A Campanha da Fraternidade de 2015 terá como tema
“Fraternidade: Igreja e Sociedade” e lema “Eu vim para servir” (cf. Mc 10,45).
A Campanha será inserida nas comemorações do Concílio Vaticano2º com base
nos documentos Lumen Gentium e Gaudium et Spes, sobre a missão da
Igreja no Mundo.
Com a publicação do documento de Estudos 107 da CNBB,
sobre “Cristãos leigos e leigas na Igreja e na sociedade”, o tema tem sido
refletido em todo o Brasil. O jornal O SÃO PAULO, semanário da
Arquidiocese, conversou com o padre Thierry Linard de Guertechin, jesuíta
nascido na Bélgica e residente no Brasil desde 1975. Filósofo, teólogo,
demógrafo e geógrafo, padre Thierry é especialista em temáticas sociais e,
atualmente, diretor do Instituto Brasileiro de Desenvolvimento.
O SÃO PAULO – Como se dá, hoje, a relação
Igreja e Sociedade?
Padre Thierry – A fé deve se traduzir em obras.
Uma fé que fica só no ambiente eclesial, “na sacristia”, não produz nada. Obras
sociais, outros tipos de obras, fazem parte de uma entonação da fé que vai ao
encontro da realidade na qual se vive. É essencial viver bem a relação Igreja e
Sociedade, porque somos cristãos, mas ao mesmo tempo, cidadãos. Por isso, é
preciso assumir as duas identidades de igual maneira. Para que se possa viver
essa realidade em todos os âmbitos, é importante que a hierarquia da Igreja
viva num modelo teológico que favoreça esta interação entre Igreja e Sociedade,
e, por isso, escolher bem a teologia na qual se baseia toda a ação eclesial.
Assim, é preciso perguntar sempre sobre qual delas abre espaço para mais
participação e automaticamente ajuda a valorizar a presença do leigo no mundo.
O drama que se vive hoje é o divórcio entre Igreja e Sociedade, sem
articulação.
O SÃO PAULO – A partir de quando começaram as discussões
sobre o Estado Laico no Brasil?
Padre Thierry – A partir do Concílio Vaticano 2º, a
Igreja, com documentos como a Lumen Gentium e Gaudium et Spes. Depois
disso, a partir dos anos 1990, vai se aprofundando a questão do Estado Laico
por outra parcela da sociedade. As pessoas sem religião representem apenas 8%
da população brasileira, mas esta minoria acredita que a política e o Estado
devem estar livres de interferência direta das Igrejas. Durante muito tempo a
Igreja teve um papel importante na formação da sociedade, sobretudo no que se
refere à promoção dos valores humanos. Hoje, porém, com um governo dividido
e a economia nas mãos dos banqueiros, a questão social está nas mãos de alguns
partidos que insistem, principalmente, num estado anticlerical.
O SÃO PAULO – A Igreja Católica encontra dificuldades
práticas neste contexto?
Padre Thierry – Então, está se reduzindo muito a
presença pública da Igreja em questões sociais, até mesmo devido às
mudanças nas leis. A dimensão social da fé é visível e há muitos trabalhos
sociais em diversos âmbitos, principalmente nas periferias e favelas das
grandes cidades. A sociedade laica tem sentido à medida que o laicismo é
político, ou seja, está restrito à organização política. Um Estado precisa agir
de maneira positiva, dialogar com todas as religiões. O problema é que, no
Brasil, o Governo tem muita dificuldade em dialogar e, acaba criminalizando
alguns movimentos. Não só os religiosos. Quem governa deve estar totalmente
aberto ao diferente e ao diálogo.
O SÃO PAULO – Quais as vantagens e desvantagens de
um Estado Laico?
Padre Thierry – O Catolicismo foi, durante muitos
séculos, a religião oficial do Estado em muitos países do Ocidente.
Isso se deu a partir da conversão do imperador romano Constantino. E, mesmo
depois da separação Igreja e Estado, o Catolicismo teve sempre grande
influência nas decisões. Essa influência tem diminuído gradativamente na
sociedade pós-moderna. Então, para mim, as vantagens estão relacionadas à
vivência de uma democracia plural que reconhece religiões diferentes e que o
Catolicismo não tem mais monopólio. Assim, o papel do Estado é garantir que as
religiões possam conviver em paz. Isso é o mais importante.
Já em relação às desvantagens, num País religioso como o nosso, o povo tem uma
multipertença. A partir de uma dificuldade pessoal, as pessoas transitam entre
as religiões buscando solucionar seus problemas. Isso dificulta a concepção de
Estado Laico, pois para que haja respeito mútuo, as pessoas precisam saber o
que são e o que querem e não há Estado que assegure o diálogo quando as pessoas
não conhecem sua própria identidade. Do contrário, não há diálogo, há confusão.
O SÃO PAULO – Qual a diferença entre Estado Laico e
secularismo?
Padre Thierry – Importante não confundir Estado Laico
com secularismo. O secularismo é um sistema de valores que atinge até o próprio
cristão. Por exemplo, na Europa, a Dinamarca ou a Suécia, há ainda uma religião
de Estado, mas são países muito secularizados. Não podemos dizer que um Estado
Laico é um Estado Secular.
O SÃO PAULO – Há também aqueles que se incomodam com a frase
“Em nome de Deus” na Constituição brasileira. O que o senhor diria?
Padre Thierry – Sou europeu e, por isso, me refiro à
Europa que não tinha “Em nome de Deus” na Constituição, mas negou qualquer
referência à Tradição Cristã. Isso significa negar o passado, e quem não tem
passado não tem futuro. Temos que assumir cada um como pessoa e um grupo,
uma comunidade, qual foi o nosso passado, e se reconciliar com o passado. Se
pensarmos no povo alemão que passou pelo nazismo, sofreu a guerra e
está recomeçando a cada dia, tentando se reconciliar consigo mesmo. São os
sistemas autoritários que apagam o passado. Os franceses quiseram também apagar
o passado e mudar o calendário. Isso é uma visão funcionalista que não
funciona. Você pode se converter e aprender a olhar o passado de outro jeito,
mas o passado fica sempre. Por isso, retirar simplesmente o texto da
Constituição, pode ser um passo perigoso.
O SÃO PAULO – Como fica neste contexto, o acordo Brasil e Santa Sé?
Padre Thierry – Esse acordo tem a vantagem de permitir
que a Igreja tenha uma definição particular, porque muitas Igrejas vivem
segundo o regime do Código Civil, mas isso também tem problemáticas, porque o
Código Civil tem associações, presidentes etc. A Igreja, porém, não é uma
associação. Por exemplo, quem nomeia os bispos é Roma. Não é uma assembleia
geral que decide. Assim, há um modo de ser que ultrapassa as definições
jurídicas estabelecidas. Este acordo é importante, portanto, para que a Igreja
diga, perante do Estado, que tipo de instituição ela é e isso lhe assegura o
direito de continuar a sua missão.