Sabemos que o matrimônio, de acordo com a doutrina católica, é um sacramento, mas um sacramento bastante especial, porque, nele, os “ministros”, ou seja, os que conferem o sacramento são os próprios noivos. Por outro lado, como todos os sacramentos foram instituídos por Cristo e confiados à Igreja, esta pode colocar e, de fato, coloca condições para a sua celebração válida. Assim se explica a declaração do cânon (artigo) 1058 do Código de Direito Canônico, ou seja, da coleção oficial das leis em vigor na Igreja Católica: “O matrimônio é produzido pelo consentimento legitimamente manifestado entre partes juridicamente hábeis; esse consentimento não pode ser suprido por nenhum poder humano”.
Examinando com cuidado esse cânon, deduzimos que há três coisas necessárias para que possa surgir um verdadeiro matrimônio:
a) Que haja consentimento dos noivos;
b) Que esse consentimento seja dado por pessoas juridicamente hábeis;
c) Que esse consentimento seja manifestado legitimamente, ou seja, na forma prevista pela lei.
Se faltar, portanto, um desses três requisitos, não surgirá um verdadeiro matrimônio. Dizemos então que ele foi inválido ou nulo. Temos assim três grupos de motivos pelos quais pode resultar nula, quer dizer, sem efeito jurídico, a celebração do matrimônio:
a) Se as pessoas, não obstante as aparências, não queriam casar verdadeiramente; quer dizer, se faltou o consentimento matrimonial. Suponhamos que um dos noivos seja ameaçado de morte se não casar. E que ele, para fugir dessa ameaça, realize a cerimônia, mas sem nenhuma vontade casar. As palavras que pronuncia durante a celebração não correspondem, na realidade, àquilo que está querendo no seu interior. Pois bem, como o matrimônio, conforme dizíamos, é produzido pelo seu consentimento e como este não se reduz as palavras pronunciadas, mas inclui necessariamente o querer interno, não podemos dizer que, nesse caso, tenha surgido um verdadeiro matrimônio. Falamos, por isso, que aí se trata de um matrimônio nulo por falha de vício de consentimento.
b) Se as pessoas, mesmo querendo casar, não eram juridicamente hábeis, quer dizer, se possuíam um impedimento legal para celebrar um verdadeiro matrimônio. Todos sabem, por exemplo, que os parentes próximos estão proibidos de casar validamente, tanto pela lei civil quanto pela lei canônica. Se, apesar disso, celebram o casamento, sem ter obtido uma dispensa, quando ela é possível, aquela celebração não tem valor para a Igreja. Nesse caso, dizemos que o matrimônio resultou nulo por impedimento dirimente.
c) Finalmente, também pode acontecer que, mesmo que se trate de duas pessoas que querem contrair verdadeiro matrimônio e que são juridicamente hábeis, não observem as formalidades prescritas pela lei. Por exemplo, não procurem o pároco e que apenas façam a cerimônia no cartório. Então afirmamos que esse casamento resultou nulo por falta de forma.
Cada uma das três hipóteses pode ser desdobrada em toda uma série de motivos mais particulares. Quando se pretende uma declaração de nulidade, é necessário determinar claramente qual é o motivo que pode servir de base para o processo.
Fonte: HORTAL (S.J.), J. Casamentos que nunca deveriam ter existido, uma solução pastoral. Col. Igreja e Direito. Ed. Loyola: São Paulo, 1987. pp. 9-11.