D. Walmor de Azevedo
Arcebispo de Belo Horizonte
O Papa Francisco define ainda mais nitidamente o horizonte
norteador da Igreja Católica neste tempo com a sua recém-publicada Exortação
Apostólica, intitulada “A alegria do Evangelho”. Obviamente, trata-se de
uma exortação que nasce da “escuta”, na dinâmica da vida da Igreja e do que é
próprio da graça de Deus. O Papa Francisco, com frescor próprio do coração de
pastor enraizado no chão latino-americano, reaviva, com singularidades, a
recuperação de sentidos genuínos na vivência do Evangelho. O conhecimento da
Exortação do Papa é determinante na compreensão e no tratamento do mais
importante desafio da Igreja Católica na contemporaneidade: a insubstituível
tarefa de anunciar o Evangelho no mundo atual.
Ao falar sobre alegria, um capítulo determinante da vida e
um interesse comum a todos os corações, é imprescindível compreender que o
Evangelho de Jesus Cristo não é um simples conjunto conceitual alternativo para
aprendizagem, ou simples referência quando necessário. A alegria do Evangelho é
duradoura. Enche o coração dos que, no cotidiano, vivenciam a experiência
do encontro pessoal com Jesus Cristo. Trata-se de uma alegria que não é como
muitas outras, que seduzem, mas são passageiras e não têm força para resgatar o
vazio interior, o isolamento e a tristeza. O Papa Francisco adverte que o
grande risco do mundo contemporâneo, com a oferta múltipla e opressora de
consumo, é uma tristeza individualista que brota do coração acomodado e
avarento, da busca doentia de prazeres superficiais.
Não é possível encontrar uma alegria verdadeira e duradoura
quando a vida interior se fecha nos seus próprios interesses. Isto impede a
escuta de Deus e faz morrer o entusiasmo de se fazer o bem. Um risco que,
sublinha o Papa Francisco, pode atingir também aos que creem e praticam a fé.
Um cenário que pode ser constatado quando são encontradas pessoas descontentes,
ressentidas, amargas e incapacitadas para cultivar sonhos e projetos,
necessários para conduzir a vida na direção da sua estatura própria de dom de
Deus. A alegria, necessidade natural do coração humano, expressão de vida
vivida com dignidade, vem com o anúncio, conhecimento, experiência e testemunho
do Evangelho de Jesus Cristo.
A Igreja, que tem a missão de promover a experiência dessa
alegria duradoura tem que estar em movimento, isto é, sempre a caminho. Cada
membro, tomando a iniciativa de sair e ir ao encontro, deve renunciar às
comodidades e acolher o desafio da mudança, da renovação, numa atitude
permanente de conversão. É preciso ter coragem de mudar, de ousar novas
respostas, em todos os campos da sociedade, dinâmicas e projetos. No caminho
contrário, corre-se o risco de se tornar um instrumento inócuo no serviço e no
anúncio da fonte inesgotável dessa alegria.
Por isso, diz o Papa Francisco, a Igreja está desafiada por
uma exigência de renovação improrrogável. Para se adequar a esta necessidade, é
preciso reconhecer os muitos desafios postos pelo mundo contemporâneo. A
consideração das diferentes culturas urbanas, com um conhecimento mais
aprofundado de suas dinâmicas, interesses, linguagens e configurações, tem a
propriedade de mostrar o caminho novo que fará a renovação da Igreja. O Papa
Francisco sublinha que na atual cultura dominante, o primeiro lugar está ocupado
por aquilo que é exterior, imediato, visível, veloz, superficial e provisório.
O real dá lugar à aparência. Constata-se uma deterioração de valores culturais,
com a assimilação de tendências eticamente fracas. Esse processo de renovação e
trabalhosa tarefa de ajudar o mundo a encontrar no Evangelho a fonte
perene de alegria duradoura supõe, sem negociação, a coragem e a perseverança
no dizer “não” a uma economia da exclusão, “não” à nova idolatria do dinheiro,
que dá ao mercado a força de governar e não a de servir, gerando
perversidades inadmissíveis. “Não” a todo tipo de iniquidade que gera
violência, “não” ao egoísmo mesquinho e ao pessimismo estéril.
É hora de compreender e testemunhar a dimensão social da fé,
como força e instrumento de uma nova “escuta” prioritária dos pobres,
trabalhando para respeitar o povo, de muitos rostos e necessidades. Convida-nos
o Papa Francisco a buscar, corajosamente, novas configurações organizacionais,
institucionais e pessoais, apoiados na certeza daquilo que, luminosamente, está
na alegria do Evangelho.