Dom Alberto Taveira Corrêa
Arcebispo de Belém (PA)
Desde toda a eternidade, fomos amados e escolhidos por Deus
para sermos felizes e santos (Cf. Ef 1,4). Seu plano de amor é descrito nas
primeiras páginas do Livro do Gênesis (Cf. Gn 1,1-2,25) de forma magnífica,
chegando à conclusão carregada de otimismo, de que "Deus viu tudo o que
tinha feito, e era muito bom" (Gn 1,31). "Deus, infinitamente
perfeito e bem-aventurado em si mesmo, num desígnio de pura bondade, criou
livremente o homem para torná-lo participante da sua vida bem-aventurada. Por
isso, sempre e em toda a parte, Ele está próximo do homem. Chama-o e ajuda-o a
procurá-lo, a conhecê-lo e a amá-lo com todas as suas forças" (Catecismo
da Igreja Católica, 1). Plano perfeito! E faz parte do projeto de Deus o
desafiador presente da liberdade. Não foram pensados o homem e a mulher como
autômatos, a serem controlados qualquer tipo de controle remoto, mas feitos
para serem participantes e parceiros na construção da própria aventura de
felicidade.
Certa feita, um jovem interno da Fazenda da Esperança
mostrou-me a porteira aberta de par em par, dizendo estar ali o seu maior
drama. É que, se assim decidisse, poderia abandonar todo o processo de
recuperação em que se encontrava. O desafio é a liberdade, e ele escolheu
percorrer a estrada mais exigente, tornando-se depois uma pessoa integrada na
Igreja e na Sociedade. Da mesma forma, todos os discípulos e discípulas de
Jesus Cristo, sem exceção, devem confrontar-se, mais cedo ou mais tarde, com o
Senhor que lhes pergunta a respeito de suas opções mais profundas, cujas
consequências condicionam as decisões cotidianas a serem tomadas. Já
testemunhei desde as escolhas precoces, de crianças decididas à santidade, até
as grandes crises de pessoas tocadas pela graça de Deus já às portas de sua
partida desta terra. O melhor é decidir-se logo, aprender a usar o magnífico
dom da liberdade para buscar o que é digno dos seres humanos, criados à imagem
e semelhança de Deus.
Chama atenção o fato de que o evangelista São Lucas mostre
uma exigência de medida alta, dirigida a tanta gente: “Grandes multidões
acompanhavam Jesus. Voltando-se, ele lhes disse: Se alguém vem a mim, mas não
me prefere a seu pai e sua mãe, sua mulher e seus filhos, seus irmãos e suas
irmãs, e até à sua própria vida, não pode ser meu discípulo. Quem não carrega
sua cruz e não caminha após mim, não pode ser meu discípulo... Qualquer um de
vós, se não renunciar a tudo o que tem, não pode ser meu discípulo!” (Lc
14,25-27.33). Não alguns privilegiados, ou mais corajosos e até heróis! Todos
serão postos diante da escolha a ser feita, como resposta de amor a quem nos
escolheu, concedeu-nos o presente da vida, da liberdade e do caminho de
realização e felicidade. Mas é possível passar a vida inteira nesta terra sem
fazer esta opção fundamental da existência, escolhendo migalhas, quando fomos
feitos para a plenitude de Deus e com Deus, que não exclui a convivência com as
outras pessoas e o valor a ser atribuído a tudo o que Deus fez. Afinal, ele viu
que tudo era bom!
Quando não se faz esta escolha, a vida parecerá uma
construção mal planejada e realizada. “De fato, se algum de vós quer construir
uma torre, não se senta primeiro para calcular os gastos, para ver se tem o
suficiente para terminar? Caso contrário, ele vai pôr o alicerce e não será
capaz de acabar. E todos os que virem isso começarão a zombar: Este homem
começou a construir e não foi capaz de acabar (Lc 14,28-33)”! As frustrações
não são necessariamente resultados das eventuais falhas no processo de
edificação da existência, mas da falta de clareza nos objetivos a serem
alcançados. A zombaria pode vir de dentro ou de fora! É que a nota baixa dada
pela própria pessoa costuma tornar-se um espectro que acompanha anos e anos de
uma vida.
A “batalha” da vida pode ainda ser semelhante a “um rei que
sai à guerra contra outro. Ele não se senta primeiro e examina bem se com dez
mil homens poderá enfrentar o outro que marcha contra ele com vinte mil? Se ele
vê que não pode, envia uma delegação, enquanto o outro ainda está longe, para
negociar as condições de paz”. Jesus entende de vida e propõe pequenas
parábolas cuja atualidade atravessa os séculos. Escolher a Deus como tudo da
existência é condição indispensável. Quem não o faz, escolhe os afetos
passageiros, apega-se a pessoas, cargos, dinheiro, posições sociais, cria
apenas grupelhos de apoio aos próprios caprichos. Qualquer crítica ou
incompreensão, ou quem sabe, as dificuldades profissionais, tudo derruba o que
milita na vida apenas por si mesmo.
Vem também de Nosso Senhor uma comparação oportuna “O sal é
bom. Mas se até o sal perder o sabor, com que se há de salgar? Não serve nem
para a terra, nem para o esterco, mas só para ser jogado fora. Quem tem ouvidos
para ouvir, ouça” (Lc 14,35). Volta-se para nós, cristãos, a exigente palavra
de Jesus! Ou somos aquilo que corresponde à nossa vocação, ou então não
serviremos para nada, nem para adubo! Que a pequena parábola nos ponha numa crise
fecunda, para que não falte ao mundo a presença de quem foi chamado a ser sal,
luz e fermento do Reino de Deus.
Se acontecer esta escolha de Deus, os afetos valerão sim,
porém a meta e o coração serão castos, sem resquícios de antipatia ou simpatia.
O esposo ou a esposa serão respeitados em seu mistério, pois ninguém é feito
para ser propriedade de outra pessoa. A edificação da existência levará em
conta as outras pessoas, mais ainda, levará a buscar o bem dos outros. Se Deus
é amado acima de todas as coisas, estas terão sua importância, sem exageros! Os
bens materiais serão buscados e ao mesmo tempo compartilhados. Quem fizer a
opção por Deus não temerá os desafios, as crises ou perseguições. Sabendo o que
escolheu, a pessoa assim amadurecida terá a necessária serenidade para buscar
novos caminhos, procurará orientação e apoio em quem pode ouvir, aconselhar e
acompanhar. Esta é uma forma para entender os chamados “conselhos evangélicos”
da castidade, pobreza e obediência, proclamados por Jesus para todos os seus
discípulos.
Certamente as propostas aqui oferecidas perecerão utópicas
para muitas pessoas. Mas é justamente a serviço do Reino de Deus que nos
colocamos como cristãos. Quem tiver a coragem de refazer, à luz do Evangelho,
suas opções de vida, experimentará que um mundo diferente e novo é possível. Só
que precisa começar aqui, dentro do mais íntimo do coração e das escolhas de
cada homem e cada mulher, discípulos de Jesus Cristo, que aguarda a todos como
missionários do Reino de Deus.