Sede de água e de justiça
“Eu estava com fome, e me destes de
comer;
estava com sede, e me destes de beber”
(Mt 25,35)
Nós, bispos do Brasil, reunidos em
Aparecida–SP, na 51ª Assembleia Geral da Conferência Nacional dos Bispos do
Brasil-CNBB, de 10 a 19 de abril de 2013, expressamos nossa solidariedade aos
irmãos e irmãs castigados pela maior seca que atinge a região do semiárido nos
últimos 40 anos. Fazemos nossos seus sofrimentos e suas dores e nos unimos à
sua luta pela superação deste fenômeno, secular e cíclico, que ameaça a vida e
o desenvolvimento integral da população. Trata-se de mais de 10 milhões de
pessoas diretamente atingidas, em 1.326 municípios, segundo dados da Secretaria
da Defesa Civil, do Ministério da Integração Nacional (SEDEC/MI).
Os bispos do Nordeste, por várias
vezes, assinalaram as consequências de ordem social, econômica, moral e ética
provocadas pela seca tais como: a) Migração forçada com a consequente
desarticulação e desintegração da família, que fica exposta à máxima penúria;
b) tráfico humano, que conduz ao trabalho escravo; c) instrumentalização da
extrema vulnerabilidade das pessoas para fins eleitoreiros, em total
desrespeito aos valores éticos; d) agravamento da situação econômica relegando
milhares de famílias à miséria; e) dizimação da produção agrícola e
agropastoril com a morte de rebanhos inteiros, comprometendo o presente e o
futuro dos pequenos e médios produtores, além de seu endividamento; f) colapso
no abastecimento de água nas áreas urbanas; g) risco de se perderem conquistas
econômicas e produtivas fundamentais acumuladas nos últimos dez anos.
O clamor do povo do Nordeste, acolhido
pela Igreja, ecoa em documentos históricos como o de Campina Grande, em 1956, e
o de João Pessoa - “Eu ouvi o clamor do meu povo (Ex 3,7)” - em 1963. Além
disso, a Igreja tem realizado diversas campanhas de doações, promovido inúmeras
ações solidárias de apoio às famílias mais atingidas pelo flagelo da seca e
participado na luta pela execução de políticas públicas como a construção de
cisternas de consumo e de produção.
Apoiamos as “Diretrizes para a
convivência com o Semiárido”, lançadas em recente seminário realizado, em
Recife-PE, pela Igreja Católica e vários movimentos sociais e sindicais,
exigindo que sociedade e governos não pensem no Nordeste apenas em ocasião de
seca.
A seca no semiárido é um fenômeno
cíclico que se repete sistematicamente. Entretanto, o ciclo de secas “não pode
nos fazer pensar que o semiárido brasileiro seja apenas um condicionamento
climático e, a longa estiagem, sua intempérie. O semiárido é, antes de tudo, um
conjunto de condições próprias de um bioma e, desse modo, exige-nos um novo
olhar e a construção de iniciativas diferenciadas” para a convivência nesta
região onde vivem 46% da população nordestina e 13% da população brasileira,
representando 11% do território nacional. Os 25 milhões de pessoas que aí
habitam, aguardam medidas estruturais que facilitem a convivência com esse
ecossistema.
Reconhecemos que os Governos têm
desenvolvido importantes ações neste momento crítico por que passam os
atingidos pela seca. São, no entanto, ações mitigadoras e emergenciais que não
resolvem o problema, presente em todo o polígono da seca.
Somente com decidida vontade política
e efetiva solidariedade, será possível estabelecer ações que tornem viável a
convivência com o semiárido, mesmo no período da seca. Como pastores solidários
aos nossos irmãos nordestinos, reivindicamos:
a) A
definição e a aceleração de políticas públicas e institucionais permanentes que
garantam segurança hídrica e alimentar, incentivando o uso de tecnologias
adaptadas à realidade climática da região para captação, armazenamento e
distribuição das águas das chuvas;
b)
Democratização do acesso à água com a construção de sistemas simplificados de
abastecimento de água;
c)
Ações estruturantes como a revitalização e preservação dos rios, lagoas,
ribeiras, riachos e da floresta nativa; construção de cisternas de placas e de
cisternas “calçadão”; perfuração e equipamentos de novos poços tubulares;
d)
Interligação de bacias hidrográficas e de recursos hídricos; construções de
diversos tipos de armazenamento de água, bem como de adutoras e canais, para o
consumo humano, animal e a produção de alimentos;
e)
Ampliação e universalização da aplicação dos recursos financeiros e técnicos a
partir do protagonismo das populações locais e de suas organizações, no campo e
na cidade;
f)
Conclusão urgente das numerosas obras cuja paralisação tem causado graves
prejuízos econômicos e sociais;
Que Nossa Senhora Aparecida, cuja casa
nos abriga durante a 51ª Assembleia da CNBB, alcance para todos os irmãos e
irmãs do Nordeste a força renovadora da esperança, que nasce do coração do
Cristo Ressuscitado, vencedor do mal e da morte.
Aparecida, 16 de abril de 2013.
Cardeal D. Raymundo Damasceno de Assis
Arcebispo de Aparecida
Presidente da CNBB
Dom José Belisário da Silva
Arcebispo de São Luís do Maranhão – MA
Vice-presidente da CNBB
Dom Leonardo Ulrich Steiner
Bispo Auxiliar de Brasília
Secretário Geral da CNBB