Dom Leomar Antônio Brustolin
Bispo Auxiliar de Porto Alegre
A epidemia do Zika vírus e a consequente ameaça aos fetos de ocorrer microcefalia reacendem o debate sobre a legalização do aborto no Brasil. Entrar num diálogo sobre essa questão é tarefa difícil, pois a gravidade da situação não favorece ponderar os diferentes aspectos da problemática. Uma visão imediatista e pragmática, contudo, sugere resolver o impasse com recurso ao aborto. Na prática, não faltará quem induza a essa “prevenção”.
A microcefalia é uma condição neurológica rara em que a cabeça e o cérebro da criança são significativamente menores do que a de outras da mesma idade e sexo. Seu cérebro não cresce o suficiente durante a gestação ou após o nascimento. Crianças com microcefalia têm problemas de desenvolvimento e não há uma cura definitiva, entretanto, tratamentos realizados desde os primeiros anos podem melhorar o desenvolvimento e a qualidade de vida. Acolher e cuidar de bebês com microcefalia é um ato de amor e acolhimento dos mais indefesos da sociedade. Mesmo assim, não faltam vozes clamando o direito ao aborto para fetos diagnosticados com microcefalia.
Nesse contexto, não podemos evitar perguntas fundamentais: Quando inicia a vida qualitativamente humana num embrião? O feto é uma pessoa ou apenas um conglomerado de células à mercê da mulher que o carrega no útero? A partir de que dia, ou momento, o feto pode ser considerado pessoa humana? Para alguns, a vida humana inicia na concepção e, portanto, o aborto seria um crime. Outros entendem que, nas primeiras fases da gestação, não se pode pensar em vida qualitativamente humana. Por isso, o aborto, nos primeiros meses de gravidez, poderia ser autorizado.
Os dados das ciências biomédicas não identificam um momento definido e aceito consensualmente como o marco inicial da vida humana. A escola genética, contudo, em contraposição à desenvolvimentista, entende o resultado da fecundação como algo vivo; biologicamente diferente do útero materno; uma combinação dos cromossomos com patrimônio genético novo; vida biologicamente humana e individual, com herança genética própria e exclusiva, derivada da combinação dos 23 pares cromossômicos. Qualquer decisão sobre abortar, portanto, depende de “um” ponto de vista. Não há consenso. Então, como decidir?
Para além dos aspectos legal e religioso, está o problema moral do aborto. Legalizar não significa abolir o caráter mau da ação. No momento em que se reinvindica o direito ao aborto, há uma tendência de privatizar a questão e reduzi-la somente ao ponto de vista jurídico. Pode, então, o aborto ser reinvidicado como direito? Todo direito defende, promove e produz o bem para a pessoa e a sociedade. O aborto elimina uma vida humana e, portanto, é um mal. Países com prática abortiva não resolveram o dilema ético que constitui o núcleo da questão.
Conforme a tradição cristã, já na concepção, tem início uma nova vida, dom do Criador e, ao mesmo tempo, responsabilidade e tarefa a ser assumida pelas pessoas. Em seu mistério, a vida do ser humano encerra um caráter de sacralidade e, portanto, é inviolável. Na defesa do feto, pretende-se que a humanidade seja honrada para além de toda utilidade, vantagens ou interesses. Assim, o aborto, sobretudo nos casos de gestação de criança portadora de patologias, torna-se a prova real de desrespeito para com todo o gênero humano, de redução simplificada do que realmente é um ser humano. O aborto não é “solução” para nenhum problema social, é somente uma medida anódina. A prioridade não deveria ser a luta pela legalidade do aborto, mas pela dignidade da vida da pessoa humana, independentemente do estágio ou da situação em que se encontre.