A educação na família: O fundamento de uma vida
Mons. Juan José Perez Soba.
“Aquele que escuta minhas palavras e as põe em prática, é semelhante ao homem prudente que construiu sua casa sobre a rocha” (Mt7,24)1.Estas palavras conclusivas do discurso da Montanha são a revelação de ensinamentos, e em tantos sentidos única daquele que se chama “Mestre” por excelência (cf. Mt 12,32)2. O fim de todo o discurso termina com o reconhecimento humilde da bondade daquilo que é ensinado: “se maravilhavam as multidões com sua doutrina” (Mt 7,28)3.
A parábola acima que introduz as palavras iniciais é de um teor delicadamente sapiencial, que serve de comparação entre o modo de atuar do prudente e do tolo. A clamorosa diferença de seus destinos é um modo de esclarecer o caminho correto que conduz à vida feliz. Em particular, o centro de todo o ensinamento desta parábola está em uma exigência especial de “por em prática”. Daqui parte sua colocação ao final de todo o discurso, a modo de exortação que pudesse indicar a forma adequada de como o verdadeiro discípulo, deve receber em sua vida todo o ensinamento já mencionado. Assim, a relevância moral de seus termos tem a sua mesma razão de ser: quer assinalar a necessidade de que não só se deva perceber em suas palavras um conteúdo novo que causa admiração, como exatamente aconteceu com as multidões que lhe ouviam, mas sim que se saiba entrar no verdadeiro ensinamento que é “fonte de vida” e permite ao homem sábio haurir deste ensinamento, uma vida abundante. A casa é sinal de uma unidade de 1 Para esta parábola, como o final de todo o Sermão da montanha: Cf. L. SÁNCHEZ NAVARRO, La Enseñanza de la Montaña. Comentario contextual a Mateo 5-7, Verbo Divino, Estella 2005, 170-179. 2 Cf. SAN AGUSTÍN, De Magistro, XI, 39 (CCSL 29,196). 3 Cf. Mc 1,2: “ensinava como quem tem autoridade e não como os escribas”; 1,27: “Uma doutrina nova e revestida de autoridade”; Lc 4,32: “maravilhavam-se de sua doutrina porque era acompanhada de autoridade”. 5 2 significado de onde a vida encontra seu desenvolvimento e fundamento4. A família e a casa se identificam, e, de fato, na terminologia do Novo Testamento “οἶκος” é sinônimo de família e nos revela a máxima importância da instituição familiar para a transmissão da fé entre os primeiros cristãos.
Não se trata de uma mera coincidência, nos indica uma profunda verdade a se dar conta, já que nos indica a convivência como um fim e um princípio de vida autenticamente humana. Ainda mais, ressalta a construção de uma verdadeira comunhão de pessoas como fim próprio das ações humanas. Além disso, provoca a liberdade para oferecer-lhe onde se nasce, se pode crescer5 e onde realidades mais cotidianas se preenchem de significados próprios dentro de um marco simbólico afetivo particular que é o que se forma em primeiro lugar mediante as relações familiares que tem então um sentido basilar na vida humana6. Por isso mesmo, nesta tarefa de construção com grande sensatez, a parábola chama atenção para a importância “das fundações” como fator decisivo e discriminante. Não importa o resto: que a casa tenha sido construída com bons materiais, de uma forma sólida e adequada distribuição de sua planificação. Todas essas habilidades não são, segundo a parábola, as decisivas.
Por isso mesmo, destaca que não se trata de uma questão da arte de construir ou da técnica de resistência, mas sim da autentica sabedoria que olha, não alguns meros cálculos, mas o fim último da vida. Podemos comprovar que na fundação se encontra a autentica sabedoria humana, que permite “por em prática” e desenvolver uma vida moral que possa conduzir a uma vida plena. Eis aqui uma indicação preciosa sobre a necessidade e o modo próprio da educação que se deva saber desenvolver. Sem duvida, este é a grande princípio que sustenta a família como como fundamento dos demais seguimentos da sociedade, trata-se, sobretudo, da 4 Cf. L. MELINA, Per una cultura della famiglia: il linguaggio dell’amore, Marcianum Press, Venezia 2006, 16. 5 Cf. J. RATZINGER, Iglesia, ecumenismo y política. Nuevos ensayos de eclesiología, BAC, Madrid 1987, 213 s.: “Com efeito, por esta palavra “liberdade”, o grego nos expressa a ideia de liberdade de eleição, nem tanto pela possibilidade de se fazer algo ou não. Pelo contrario, evleuqeri,a, em oposição ao conceito de escravidão, expressava o estado de pertença plena e jurídica ao nivel social correspondete da familia ou do Estado. Significa, pois, a plena posse dos direitos, a plena pertença, o estar e sentir-se na própria casa, e, deste modo, neste pleno co-existir e nesta plena coresponsabilidade, uma co-determinação na realização do destino comum. Livre é aquele, que onde quer que esteja, sente-se como em sua própria casa. A liberdade tem muito a ver com o sentimento de casa e de pátria”. 6 Como recorda: M. HEIDEGGER, Che cos’è la metafisica? (Con estratti della “Lettera su l’Umanismo”), La Nuova Italia, Perugia 71979, 125: Também aqui, ao redor do forno, neste lugar comum, onde tudo e qualquer circunstância, cada ação e cada pensamento está familiarizado e tornado costume, não há dúvida:" aqui ", no círculo dessas coisas", estão os deuses. "Os deuses se fazem presentes no ser deuses. Heráclito diz a si mesmo: "o estar em família do homem é a abertura onde se faz presente a essência divina (o prodigioso)." Se, portanto, de acordo com o sentido fundamental da palavra, o termo "ética" significa isto: que essa disciplina considera este permanecer em família”. 3 experiência de um amor originário7, não eletivo, mas doado, que é necessário para se aprender a amar. Eis a luz primordial em que os demais encontrarão o seu sustento. Agora podemos postular o objeto próprio da educação moral donde a família cumpre sua missão: por as bases para que o homem, prudente por tal fundamento, possa de verdade construir a sua casa, uma vida plenamente realizada. Assim respondemos a exigência da “emergência educativa” que nos falou Bento XVI: “se fala de uma grande emergência educativa, da crescente dificuldade que se encontra para transmitir às novas os valores fundamentais da existência e do correto comportamento, dificuldade que existe tanto na escola quanto na família, e se pode dizer que em todos os demais organismos que tem finalidades educativas”8 1. A análise da experiência moral e sua relação com a educação Educar é um exercício de tanta responsabilidade que sempre foi valorizado como um ato moral de especial transcendência e em especial a primeira missão da família9. Em nosso comentário a respeito da parábola, aparece como sinônimo de sabedoria em uma relação única com o Mestre divino. A mesma riqueza de conteúdo deste ato educativo reclama uma questão de método para poder analisar com clareza e profundidade sua natureza e dinamismo. 1.1. A perspectiva do ato educativo A perspectiva que toma a parábola chama atenção: é especialmente ativa. Toma a posição do homem que edifica a casa. A tarefa que empreende não é encomendada por ninguém, não é fruto de um mandato de um superior que obrigara sob obediência construir um edifício, tal realidade surge de uma necessidade interna, apresenta-se tão óbvia que não necessita de qualquer justificação. No fundo, o por quê de construir a casa tampouco nasce de uma decisão tomada do nada, mas remete bem a um desejo comum: todo o homem busca um “lugar” onde habitar10 e quer construí-lo com a solidez que possa vencer as vicissitudes da vida. Por isso mesmo, no final da parábola também é compartilhado com naturalidade, sem necessidade de explicações, aquele teve sua casa destruída fracassou em sua vida, é um tolo. Neste ponto, o paralelo da educação com a parábola é perfeito. A educação humana nasce de um impulso interior, que é anterior a qualquer 7 Cf. FRANCISCO, C.Enc. Lumen fidei, n. 11. 8 BENTO XVI, Discursos à assembléia diocesana de Roma, 11-VI-2007. 9 CONCILIO VATICANO II, Dec. Gravissimum educationis, n. 6: “Os país, sobre os quais recai a primeira obrigação e o primeiro direito, ambos inalienáveis, de educar os filhos”. 10 Cf. BENTO XVI, Discurso, 27-V-2006 4 eleição e a qualquer imposição exterior. É uma tendência à excelência humana, “ao melhor”11, que nasce ligada a uma primeira indigência e é manifestação de um desejo originário. O homem parece contar com assombrosamente com um impulso interior que o torna dócil, desejoso de aprender e ser formado12,de um modo bastante distinto do “adestramento” dos animais. Daqui surge a importância da dinâmica do desejo, que se move entre a indigência e a excelência e que possui uma relevância moral enorme13. Aquilo que se compartilha na família é o primeiro bem comum que conta com uma transcendência que induz a criança a participar dela de um modo mais pleno. O ambiente familiar é o que cria essa disposição na comunicação natural dos bens. É uma continuidade da geração que parte da vida e continua no bem. Desde o desejo originário devemos perceber as raízes desta docilidade inicial que é capaz de responder aos incentivos que permitem crescer humanamente. A primazia da ação do educando no processo educativo é um princípio fundamental. Uma primazia que deve ser despertada, sustentada e potencializada pelo ato educativo14.para compreender melhor o modo de dirigir o desejo de ser educado, os estudos morais nos brindam com uma indicação preciosa: “a perspectiva do sujeito agente” o que se veio a denominar “ética da primeira pessoa”15unida a um estudo muito preciso da racionalidade prática aristotélico-tomista16. Tomar esta perspectiva nos permite dar o seguinte passo: é o próprio homem que apresenta a si a questão fundamental e é aqui onde irá demonstrar sua sabedoria. Isto nos introduz num primeiro paradoxo que se destaca por intermédio da narratividade típica das parábolas: o homem não 11 Cf. J. MARÍAS, Tratado de lo mejor. La moral y las formas de la vida, Alianza Editorial, Madrid 1995. 12 Cf. J. MARITAIN, La educación en este momento crucial, Club de Lectores, Buenos Aires 1981, 45: “o principal agente, o fator dinâmico primordial ou a primeira força propulsiva na educação é o principio vital que reside no interior do aluno; o mestre ou educador é somente um fator dinâmico secundário- verdadeiramente eficaz- e um agente ministerial”. 13 Cf. M. C. NUSSBAUM, The Therapy of Desire. Theory and Practice in Hellenistic Ethics, Princeton University Press, Princeton, New Jersey 1994, 23: “A verdade ética não é independente do que os seres humanos profundamente desejam, necessitam e (num certo nível) anseiam” 14 Cf. M. C. NUSSBAUM, Cultivating Humanity. A Classical Defence of Reform in Liberal Education, Harvard University Press, Cambridge, Massachusetts, London, England 1997, 28: “A tarefa central da educação, argumentam os estóicos seguindo Sócrates, consiste em confronter a passibidade do aluno, desafiando a mente para assumer os rumos de seu próprio pensamento”. 15 Cf. L. MELINA, Sharing in Christ’s Virtues. For a Renewal of Moral Theology in Light of Veritatis splendor, The Catholic University of America Press, Washington 2001, 38-40. 16 Cf. G. ABBÀ, Lex et virtus. Studi sull’evoluzione della dottrina morale di san Tommaso d’Aquino, Las, Roma 1983; L. MELINA, La conoscenza morale. Linee di riflessione sul Commento di san Tommaso all’Etica Nicomachea, Città Nuova Editrice, Roma 1987; E. SCHOCKENHOFF, Bonum hominis. Die anthropologischen und theologischen Grundlagen der Tugendethik des Thomas von Aquin, Matthias-Grünewald Verlag, Mainz 1987; M. RHONHEIMER, Praktische Vernunft und Vernünftigkeit der Praxis. Handlungstheorie bei Thomas von Aquin in iherer Entstehung aus dem Problemkotext der aristotelischen Ethik, Akademie Verlag, Berlin 1994. 5 encontra em si mesmo o próprio fundamento. Trata-se da magna questão da vida que ecoou por meio de Santo Agostinho e que se dirige ao conhecimento de si mesmo17. No tema da educação, esta pergunta sobre si mesmo se radicaliza pelo fato de que aquele que deseja funda-se em si mesmo, embora seja em suas capacidades naturais, sem dúvida alguma fundou-se a si mesmo sobre a areia menos consistente. Na questão do fundamento se nos impõe uma abertura à recepção de algo anterior para se apoiar, a assunção consciente de uma solidez que nos é própria, algo muito maior que a mera coerência. Não se pode construir somente com uns planos e um projeto, mas sim é necessário estudar as bases no solo, que precede a construção e com o que a construção há de contar. O amor originário de que partimos, esta unido à paternidade como realidade geradora. Como princípio permanente e não só como apoio que deve ser superado. A verdade da recepção de um dom primeiro que permanece, é o princípio real da educação. É aquilo que do contrário, um principio racionalista tem procurado romper, Assim, expressa Unamuno com muito sarcasmo em sua conhecida obra Amor e Pedagogia: “Pai e mestre não pode ser; ninguém pode ser mestre de seus filhos, ninguém pode ser pai de seus discípulos; os mestres deveriam ser celibatários, bastante neutros, e dedicar a apadrinhar os mais aptos para si; sim, sim, homem cujo único ofício fosse fazer filhos que educariam outros, dar a primeira matéria educativa, a massa capaz de ensinar... tem que especializar as funções”.18 O Papa Francisco tem insistido neste fato: “se multiplicamos assim chamados experts, que se ocupam do papel dos pais, inclusive nos aspectos mais íntimos da educação. Em relação à vida afetiva, a personalidade e o desenvolvimento, os direitos e os deveres, os experts sabem de tudo: objetivos, motivações, técnicas. E os padres só devem escutar, aprender e se adaptar”19 . Deve-se superar este prejuízo tão pernicioso e que, todavia, está presente em tantos pedagogos por aquilo que: “ As únicas pessoas que não tem nada que ver com a educação dos filhos são exatamente os pais”20. Recordemos que um dos pais da pedagogia moderna foi Rousseau que escreve Emilio ou a educação, enquanto abandona em um orfanato aos filhos que teve com uma criada que convivia com ele. Se dedica a dirigir a educação dos outros, enquanto se complica em suas próprias responsabilidades como pai. Detrás desta postura não podemos deixar de ver o influxo da fragilidade dos princípios morais, porque com ela se debilitam também as 17 SAN AGUSTÍN, Confesiones, 4, 4, 9 (CCSL 27,44): “Factus eram ipse magna quaestio et interrogabam animam meam, quare tristis esset et quare conturbaret me ualde, et nihil nouerat respondere mihi”; S. GRYGIEL, Extra communionem personarum nulla philosophia, LUP, Roma 2002. 18 M. DE UNAMUNO, Amor y pedagogía, Libra, Madrid 1971, 69. 19 FRANCISCO, Catequesis sobre la familia, n. 15: “Familia y educación” (20-V-2015). 20 G. K. CHESTERTON, Lo que está mal en el mundo, Ciudadela, Madrid 2006, 173. 6 relações familiares e se perde o próprio sentido da convivência familiar, como se vê no período da adolescência21. Na educação, então, estão implicadas: algumas capacidades iniciais, uma disposição próxima a atuar e uma indigência por parte do educando, da qual, por si só não pode sair. Por isso, dentro da primazia da ação do educando, é essencial considerar ao mesmo tempo a ação do educador, primeiro como pai e depois como mestre. Em nossa parábola, a solidez na qual se tem de fundar a casa se desprende da virtualidade excepcional das palavras de Cristo na medida em que tomam vida no coração dos que a escutam. Há, pois, um dom inicial que o educando deve receber de forma ativa para desenvolvê-lo. É o que encontra sua conectividade na parábola dos talentos (Mt 25, 14-30; cf. Lc 19, 12-27), de onde se expressa a responsabilidade radical sobre aquilo que é recebido. É o que significa a paternidade como dom inicial da vida que deve ser cuidado. Para sua compreensão tem que se aprofundar no que se denomina “hermenêutica do dom” que nos permite entrar em uma lógica nova22. Nesta visão, somente a remissão à experiência propõe uma diretriz adequada para a educação moral23. É um principio educativo essencial para a conjunção entre a ação do mestre e do educando. Aqui se finca as bases da emergência da pessoa que sempre é experiencial já que em seu mesmo conteúdo é irredutível a qualquer outra categoria fora dela mesma, que assim se converte em princípio necessário de fundamentação da moral24. A experiência do amor recebido na família é lugar privilegiado de toda vocação devido suas características próprias de intimidade e totalidade necessárias para que nasça adequadamente a razão do sentido. Isto se evidencia de modo particular nas dificuldades educativas que se encontra no caso das separações25. O educando que em primeiro lugar é filho, junto a ele, está o pai que lhe educa. Eis uma questão de grande importância que reinterpreta muitas outras questões sobre educação que surgiram de algumas culturas, como a grega clássica, na qual este conceito de pessoa não esta suficientemente compreendido26. O que permitiu algumas interpretações redutivas do ato 21 Cf. G. ANGELINI, Educare si deve ma si può?, Vita e Pensiero, Milano 2002, 119-161. 22 Cf. JOÃO PAULO II, Hombre y mujer los creó, Cat. 13, 2 (2-1-1980), Cristiandad, Madrid 2000, 117. 23 Para uma primeira abordagem desta questão: J. J. PÉREZ-SOBA DIEZ DEL CORRAL, “La experiencia moral”, en L. MELINA –J. NORIEGA –J. J. PÉREZ-SOBA, Una luz para el obrar. Experiencia moral, caridad y acción cristiana, Palabra, Madrid 2006, 29-48. 24 Cf. V. MELCHIORRE, “Persona ed etica”, en V. MELCHIORRE (a cura di), L’idea di persona, Vita e Pensiero, Milano 1996, 149-162; en especial las pp. 156-159 en las que habla de la relación interpersonal. 25 Cf. L. MELINA –C. A. ANDERSON (eds.), Aceite en las heridas. Análisis y respuestas a los dramas del aborto y del divorcio, Palabra, Madrid 2010, 19-184. 26 Entre outras coisas, en razão da debilidade da categoría de relação: Cf. A.-J. VOELKE, Les rapports avec autrui dans la philosophie grecque d’Aristote à Panetius, Vrin, Paris 1961. 7 educativo como a formação mais do “caráter” do que da pessoa, de inserção em uma sociedade antes mesmo de descobrir a própria vocação27. É muito diferente a visão cristã: “todos os homens percebem o impulso interior de amar de maneira autêntica, pois amor e verdade nunca os abandona completamente, porque são a vocação que Deus colocou no coração e na mente de cada ser humano”28. No processo da educação dirigido a responder a vocação, está em jogo a identidade pessoal. 1.2. O ato educativo: pessoa e personalização Aqui no referimos como a experiência moral como suporte e direção de qualquer intervenção educativa, na qual a comunicação do bem é um ponto fundamental. O estudo desta experiência se centra na relação existente entre a pessoa e a ação que é especialmente relevante e estruturadora de uma mesma ciência moral29. A relevância da ação para a pessoa se expressa no personalismo mediante a categoria de personalização que se opõe a qualquer tipo de alienação como a que atinge a pessoa em seu processo de realização, e que foi um fato repetidamente denunciado desde o século XIX30. Ser tratado como pessoa e não utilizado para outros fins é um princípio de educação fundamental, o contrário faz que o homem fique alienado. O suporte das relações familiares, paternidade-filiação e fraternidade são personalizadoras porque nelas se ordena a dinâmica do amor31. Não se pode considerar qualquer tipo de ação por si personalizadoras, existem modos de atuar, algumas formas de práxis, que podem ser muito prejudiciais nesse processo de crescimento pessoal. Ambas as categorias – personalização e alienação – surgiram de um âmbito social como os afetos que tem as relações humanas na compreensão de si mesmo que realiza o homem e tem seu relato na concepção de educação. Daqui que se pode falar que a educação é antes de tudo a realização de atos educativos que tem sua própria especificidade32. É precisamente a direção que tomou o pensamento personalista ao insistir como fim do processo educativo chegar ao “domínio da ação”33. 27 P.ex.: J. M. COOPER, “Aristotle on Friendship”, en A. OKSENBERG RORTY (ed.), Essays on Aristotle’s Ethics, ed. University of California Press, Berkeley and Los Angeles, California 1980, 301-340. 28 BENTO XVI, C.Enc. Caritas in veritate, n. 1. 29 Cf. para isso: K. WOJTYLA, The Acting Person, Analecta Husserliana, The Hage 1979. 30 Para esta distinción me permito remeter a: J. J. PÉREZ-SOBA DIEZ DEL CORRAL, “Persona y personalización”, en J. M. BURGOS –J. L. CAÑAS –U. FERRER (eds.), Hacia una definición de la filosofía personalista, Palabra, Madrid 2006, 135-146. 31 Para a relação entre os amores: Cf. J. J. PÉREZ-SOBA, El amor: Introducción a un misterio, BAC, Madrid 2011, 147-213. 32 Desenvolve de forma muito articulada a idéia do ato educativo: V. GARCÍA HOZ, Introducción General a una Pedagogía de la persona, Rialp, Madrid 1993, 138-170. 33 Cf. E. MOUNIER, Traité du caractère, cit., en su capítulo VIII (pp. 406-482) que tem o título: “La maîtrise de l’action”. 8 Com isto se separa claramente a educação de mera informação de determinados conteúdos nocionais que, no caso da moral, seria a aceitação de uma série de normas de comportamento bem estabelecidas, este foi o modo de comportamento moral consagrado pelo puritanismo, vigente e grande parte do ocidente por quase dois séculos. Esta forma de compreender e viver a educação foi desmontada sistematicamente pelas críticas do primeiro quarto do século XX. Estabelece-se a distinção entre educação e a mera instrução ou doutrinamento consistente em ditar às pessoas o que tende a pensar. A primeira característica deste ato educativo é ser interpessoal, quer dizer, que somente se explica pela intervenção recíproca (que não é simétrica) do pai ou mestre e o filho ou educando34. Deste modo, dentro da dinâmica própria do ato educativo, se há de integrar a perspectiva que conjugue ambas intervenções para não chegar a uma educação ao modo de planificação abstrata do mestre ou do educando como pura eleição autônoma. Esta interpelação de tanta importância, deve servir agora em seu valor, de motivação e direção da ação. Daqui se desprende a inadequação dos sistemas educativos que ao analisar os atos educativos somente levam em conta alguns de seus aspectos. Este modo inadequado de interpretação é também comum em algumas análises da ação, que a reduzem à eleição, ou ao juízo de consciência, ou cálculo racional de resultados anterior ao juízo, prescindindo do ponto básico, o agente pessoal que se realiza em tal ação35. No âmbito educativo, os distintos tipos de educação estão marcados pela separação racionalista radical entre o afeto e a razão, que, todavia, se fez mais profunda na posterior irrupção do romanticismo36 e que condicionou internamente algumas das formulações teóricas mais importantes na atualidade como são a kantiana, a teleológica37 e o emotivismo que provem de Moore 38. Pelo contrario, a ação educativa se compreende na experiência 34 Para a clarificação do termo interpessoal nos distintos significados que alcança, remeto-me a: M. NÉDONCELLE, Personne humaine et nature. Étude logique et métaphysique, Aubier Montaigne, Paris 21963; de uma forma sistemática em: J. J. PÉREZ-SOBA DIEZ DEL CORRAL, La pregunta por la persona, la respuesta de la interpersonalidad. Estudio de una categoría personalista, Publicaciones de la Facultad de Teología “San Dámaso”, Madrid 2004. 35 Para isso, é muito interesante o estudo de: A. FUMAGALLI, Azione e tempo. Il dinamismo dell’agire morale, Cittadella Editrice, Assisi 2002. 36 Cf. K. S. POPE, “Defining and Studying Romantic Love”, en K. S. POPE and ASSOCIATES, On Love and Loving. Psychological Perspectives on the Nature and Experience of Romantic Love, Jossey-Bass Publishers, San Francisco . Washington . London 1980, 1-26. 37 Como o demonstra com grnade lucidez: M. C. NUSSBAUM, Love’s Knowledge. Essays on Philosophy and Literature, Oxford University Press, New York-Oxford 1990 38 É fundamental para a compreensão destes sistemas morais: G. ABBÀ, Quale impostazione per la filosofia morale?, Las, Roma 1996. 9 da responsabilidade com a relação de alteridade que contem em si mesmo39. Se trata da comunicação pessoal que funda a educação. Esse primeiro aspecto que destaca a parábola, situada em principio dialógico essencial como e ‘’escutar’’ e por em ‘’pratica’’ o que incluem o conteúdo. Se oferece um modo de relação entre a aproximação e a vontade da autoridade, sobe a categoria de lei. Na verdade, a conexão ‘’escutar – fazer’’ tem uma dupla vertente depende do âmbito interpessoal em que se funda: a intenção do mestre e a compreensão do educando. A chave de compreensão entre ambos fica definida na bíblia por ‘’ sabedoria’’. O mestre não quer o educando atue de uma forma determinada como se pudesse usar um instrumento, sem que saiba, construir a sua vida, de modo que corresponda sua vocação, o que implica algumas questões inevitáveis, que na metáfora da parábola, fica determinada como as bases. E aqui donde deve se ver uma importância decisiva da categoria de תורה lei40, muito distinta do νόμος grego, como repercussão importante do âmbito da educação. Precisamente תורה tem significado etimológico no âmbito do ensinamento, antes que jurídico, em especial, significa ensinamento que o pai comunica o filho 41. Este papel familiar e muito forte, se compreende dentro da plenitude da revelação de Deus como Pai. Seu valor específico nasce de estar vinculada a uma aliança livre com Deus que se sustenta por sua providência na história42, e que abre a um caminho em que a lei é guia e fonte de sabedoria43. Isto se expressa mediante a categoria de “caminho” que evita todo legalismo, pois aponta a um fim maior que a mesma lei. “Vê-se, portanto, que a moral é muito mais que um código de comportamentos e atitudes. Se apresenta como um caminho (Derek), revelado, presenteado: leitmotiv muito desenvolvido no Deuteronômio, entre os profetas, na literatura sapiencial e nos salmos didáticos”44. O trabalhar não é um mero obedecer, sem um “saber”, uma capacidade adquirida que não está completa no início e que não se faz realidade, mas enquanto o mesmo agente se empenha em sua realização, enquanto se conforma nele um princípio interno que é fundamento da liberdade plena. Essa autêntica sabedoria é induzida e deve ser reconhecida como tal por parte daquele que deseja realiza-la em sua própria vida. Se faz muito necessário 39 Cf. B. FURGALSKA, Fedeltà all’umano. Responsabilità-per-l’altro nella filosofia di Emmanuel Levinas, Verso l’umano, Roma 2000. 40 Cf. P. BEAUCHAMP, La loi de Dieu. D’une montagne à l’autre, Éditions du Seuil, Paris 1999. 41 Cf. G. LIEDKE –C. PETERSEN, תורה tôrâ Instrucción, en E. JENNI –C. WESTERMANN, Diccionario Teológico manual del Antiguo Testamento, Cristiandad, II, Madrid 1985, 1292: “Da raiz yrh III (*wry) se encontran no AT o substantivo tôrâ, «instrucción, ley» (sustantivo verbal feminino com prefixo t- (...), o verbo yrh hifil, «ensinar» (perfecto hôrâ), e o particípio hifil sustantivado môræ^, «mestre»”. 42 Cf. J. L’HOUR, La morale de l’Alliance, Cerf, Paris 1985. 43 Este papel único da lei bíblica está muito bem destacado por: G. ANGELINI, Teologia Morale Fondamentale. 44 PONTIFICIA COMISIÓN BÍBLICA, Biblia y moral. Raíces bíblicas del comportamiento cristiano, n. 20. 10 conhecer todas as implicações que se apresentam para poder valorizá-las no que pode significar para cada vida. 1.3. Um ato comunicativo Podemos agora determinar que todo ato educativo é um ato comunicativo entre o mestre e o educando, cujo o primeiro referencial são os pais com os seus filhos, o qual permite atribuir-lhe uma estrutura fundamental cujos elementos principais, os bens que estão no centro desta comunicação, devem ser levados em conta, para qualquer tipo de educação, começando pela própria família. O fenômeno da comunicação foi estudado de modo abundante ao largo de todo o século XX45, com uma grande riqueza. Trata-se de um ato interpessoal que se pode realizar por mediações interpessoais, mas que só se constitui no momento em que se estabelece uma relação original e positiva entre o emissor e o receptor. Todo ato comunicativo, além disso, tem um conteúdo que se transmite, sem o qual perde todo o seu sentido. O ato comunicativo, por isso, não admite uma interpretação formalista, nem somente processual, mas que se destaca como toda comunicação e depende, em grande parte, de sua adaptação ao conteúdo que se deseja transmitir. Na família se oferecem algumas características únicas de integridade e de totalidade que devem ser valorizadas. Trata-se de uma educação do homem como um todo, de sua inteligência e emoções dentro de um vínculo estável. Ao mesmo tempo, abre ao homem um horizonte onde a totalidade de vida é fundamental. Assim se dá a transmissão do sentido da vida que se realiza na convivência familiar: “o sentido mais verdadeiro e profundo da vida: ser um dom que se realiza ao dar-se”46. Se trata de ensinar a viver. 2. A verdade e a comunicação da educação. A comunicação de que falamos se funda na comunicação no bem que adquire assim um valor proeminente e originariamente moral47. Isto esta ligado ao sentido de crescimento e a seu sentido generativo48. O estudo desta comunicação nos leva a afirmar seu valor ativo que remete a uma ação primeira de caráter criativo. Deste modo, se abre a um sentido propriamente pessoal de bem: “o bem da pessoa”49. A comunicação original do bem abre-nos a uma doação primeira com um sentido amoroso, sustentado pelo famoso adágio: “bonum communicativum 45 Como referencia: J. YARCE (ed.), Filosofía de la Comunicación, EUNSA, Pamplona 1986. 46 JOÃO PAULO II, C.Enc. Evangelium vitae, n. 49. 47 Isto é sustentado por: I. MURDOCH, The Sovereignty of Good, Routledge, London-New York 1989. 48 Cf. F. BOTTURI, La generazione del bene. Gratuità ed esperienza morale, Vita e Pensiero, Milano 2009. 49 Para este tema: Cf. L. MELINA –J. J. PÉREZ-SOBA (eds.), Il bene e la persona nell’agire, Lateran University Press, Roma 2002. 11 sui” no qual insiste o Papa Francisco: “ O bem sempre tende a comunicar-se”. Toda experiência autêntica de verdade e beleza busca por si mesma verdade e expansão”50 . Passa a ser uma luz específica para toda a educação. A centralidade do bem e do amor permite destacar a relevância do conhecimento da verdade do bem por parte do homem, para determinar os meios próprios para esta educação. 2.1. Educar os afetos Para compreender a profundidade do ato educativo, o que significa na verdade, não vasta reconhecer o papel da comunicação afetiva, é necessário, além disso, penetrar no que significam os afetos e as relações pessoais. Todavia, não se pode dizer que exista uma teoria suficientemente difundida a respeito dos afetos, e a dificuldade de seu conhecimento se manifesta porque não é uma realidade diretamente consciente. Seu papel motivacional no comportamento humano está suficientemente comprovado, por aquilo que é impossível ignorar, seu papel educativo e se impõe a procurar uma educação afetiva. A sequência de um processo educativo esta marcada em suas primeiras etapas, as próprias da família, com uma série de experiências fundamentais de conteúdo afetivo que vão constituir-se como o ponto de referência para as ações do homem em relação a sua vida completa51. Trata -se das experiências de apego, pertença e posse, que são fundamento para a quantificação de valor inicial, que permitem distinguir a devida importância de cada relação no âmbito da experiência52 e conformas o substrato dos valores morais fundamentais que constituem a identidade da pessoa e sua vocação ao amor. Uma primeira aproximação do mundo afetivo53, nos obriga a nos separarmos de qualquer dualismo que separe o corpo do modo pelo qual a pessoa se torna consciente de seus atos e do significado dos mesmos. As experiências fundamentais têm uma manifestação afetiva imprescindível para poder falar de uma intimidade humana, que configura o coração54. 50 FRANCISCO, Exortação Apostólica Evangelii Gaudium, n. 9. Cf. J.-P. JOSSUA, “L’axiome «bonum diffusivum sui» chez s. Thomas d’Aquin”, en Recherches de Science Religieuse 40 (1966) 127-153. 51 Para esta categoría de “reconhecimento pessoal”: Cf. FR. BOTTURI, “Il bene della relazione e i beni della persona”, en L. MELINA –J. J. PÉREZ-SOBA (a cura di), Il bene e la persona nell’agire, Lateran University Press, Roma 2002, 161-184. 52 Cf. D. VON HILDEBRAND, Ética, Encuentro Ediciones, Madrid 1983, 34: “Chamaremos importancia ao caráter que permite que um objeto chegue a ser fonte de uma resposta afetiva ou motive nossa vontade” 53 Cf. TH.HAECKER, Metafísica del sentimiento, Rialp, Madrid 1959; A. MALO, Antropologia dell'affettività, Armando Editore, Roma 1999. 54 Cf. D. VON HILDEBRAND, The Heart. An Analysis of Human and Divine Affectivity, Franciscan Herald Press, Chicago 1977. 12 A importância deste modo de aproximação é que o afeto não aparece separado da racionalidade. Um estudo da ação55 nos mostra que o afeto serve de motor e antecipação de seu fim, mas que internamente, exige ser guiado pela razão para descobrir seu sentido real. Por isso, há de se dizer que permanece como um elemento imprescindível do movimento, isto é, a ação56 Isto requer uma visão mais profunda da verdade do amor como princípio dos afetos e a razão interior do ato humano57. Há de se falar como lógica do amor porque é cognitivo, como nos recorda a Lumen Fidei58. Quer dizer, a educação do afeto não está separada da racionalidade, de modo que obriga à busca de uma nova racionalidade, que não se expressa como um julgamento diante de um dilema para dar fundamento a uma norma; mas que se abre a captação de um sentido final para o que aponta o mesmo afeto e que guia interiormente o agente para a inclinação que lhe confere. Faz-se necessário insistir nesse ponto, porque a recuperação do valor cognitivo dos afetos surge da constatação de um pernicioso emotivismo sem direção, todavia é muito ambígua e quase reduzida a uma “correta” gestão dos afetos59 . Não alcança assim seu valor mais importante enquanto início de uma dinâmica na qual o homem é capaz de realizar-se a si mesmo e descobre a verdade essencial de sua vida60 . A afetividade, sobretudo por sua dinâmica amorosa, nos introduz em uma das dimensões mais relevantes da vida humana: a vulnerabilidade61; esta é que semeia uma exigência nova da educação e tem um âmbito muito especial e significativo na família. O homem, por sua afetividade está radicalmente aberto a uma pluralidade imensa de realidades que chegam a sua intimidade, que a conformam, mas que, ao mesmo tempo, podem chegar a destruí-lo. É necessário, então, que saiba preencher esta intimidade e ordená-la, formar uma casa interior, dirigido para uma plenitude de vida, e para isso, é imprescindível a relação com os demais. Isto é muito importante na família, 55 Cf. R. T. CALDERA, Le jugement par inclination chez saint Thomas d’Aquin, Vrin, Paris 1980. 56 Para esta dinámica: Cf. L. MELINA –J.NORIEGA –J.J. PÉREZ-SOBA, Caminar a la luz del amor. Fundamentos de moral cristiana, Palabra, Madrid 2007, 717-732. 57 Cf. J. J. PÉREZ-SOBA, La verità dell’amore. Una luce per camminare. Esperienza, metafisica e fondamento della morale, Cantagalli, Siena 2011. Para la dinámica afectiva: Cf. R. SACRISTÁN, “Ipsa unio amor est”. Estudio de la dinámica afectiva en la obra de Santo Tomás de Aquino, Publicaciones “San Dámaso”, Madrid 2014. 58 Cf. FRANCISCO, Lumen fidei, n. 27: “o amor mesmo é um conhecimento; leva consigo uma lógica nova”. 59 Como o que é proposto por: D. GOLEMAN, Inteligencia emocional, Kairós, Barcelona 1996. 60 Como predecesores no tema do conhecimento afetivo, podemos destacar: M. SCHELER, Liebe und Erkenntnis, Lehnen Verlag, München 1955; M. C. D’ARCY, The Meeting of Love and Knowledge. Perennial Wisdom, George Allen and Unwin, London 1958. 61 Tratada magistralmente por: M. C. NUSSBAUM, The Fragility of Goodness. Luck and Ethics in Greek Tragedy and Philosophy, Cambridge University Press, New York 1986. 13 onde se põe em jogo os afetos principais que conformam os vínculos essenciais para a vida do homem. A educação dos afetos, se move, então, na complexidade da comunicação afetiva que possui duas funções diferentes que se tem de saber ordenar: transmitir um afeto a uma outra pessoa e fortalecer os próprios afetos. É essencial no que corresponde a primeiríssima educação da criança nos momentos em que tal comunicação é o elemento primordial e exatamente onde a relação, sobretudo com a mãe, é basicamente pautada no afeto do apego. O valor pessoal destas relações é o que permite ressaltar sua dimensão de vocação ao amor, que começa com a tomada de consciência de ser filho62. Nelas e no sentido intencional dos afetos se pode traçar as primeiras linhas da educação afetiva63. O emotivismo, pelo contrário não apresenta outro fim senão “sentir-se em paz”, profundamente anti-educativo, como se mostrou no que se denomina “família afetiva”64que está em função do bem-estar da criança e não é capaz de provocar nele as respostas fundamentais que desenvolveriam suas capacidades básicas. O propósito do bem-estar não é educativo e distorce as relações essenciais da mesma família65.se introduz um puerocentrismo inadequado e adolescentes que não desejam crescer (síndrome do Peter Pan). Dentro da educação integral, a questão do sentido, unida ao afeto se abre ao imenso panorama de felicidade e a virtude. Esta necessita dos fundamentos afetivos para a compreensão dos “fins das virtudes” e a disposição aos mesmos que se realiza na operatividade humana não é senão um modo específico de integração afetiva. 2.2. A integração Assim, nos aparece a necessidade de uma integração pessoal em uma certa totalidade de sentido como caminho necessário para a educação moral. O próprio conceito de integração que indica uma unificação dinâmica a partir da pluralidade de partes66, alcança aqui um significado primário. Neste caso, unifica dois elementos que formam a dinâmica básica da consciência moral: a intimidade e a transcendência, como o recorda a “ via de interioridade” agostiniana. “Não vá para fora, volta a ti mesmo”. No interior do homem habita 62 Cf. as reflexões de: C. ANDERSON –J. GRANADOS, Llamados al amor, Monte Carmelo, Burgos 2011. 63 Cf. M. C. NUSSBAUM, Upheavals of Thought. The Intelligence of Emotions, Cambridge University Press, Cambridge 2001, 19-88. 64 Cf. G. ANGELINI, Educare si debe, ma si può?, cit., 81. 65 Cf. G. ANGELINI, Il figlio: una benedizione, un compito, Vita e Pensiero, Milano 32003, 192. 66 Cf. C.CAFFARRA, Ética general de la sexualidad, EIUNSA, Barcelona 1995, 34: “A integração supõe uma pluralidade de partes (partes integrais): nisto, a unidade própria que deriva da integração não é uma unidade simples. As partes estão relacionadas entre si segundo uma relação de subordinação, fundada em uma orden subjetiva hierárquica. A subordinação da parte inferior não destrói seu dinamismo, mas, ao contrario, o exalta, fazendo-o ser de um modo superior”. 14 a verdade. “E, se percebes que tua natureza é mutável, transcende-te a ti mesmo”67. A pluralidade imensa de referentes próprios da afetividade ameaça fragmentar a experiência humana. Se a família atua como primeiro catalizador que concentra os afetos em determinados centros comuns, a adolescência parece impulsionar a uma compartimentação da experiência com o perigo do intimismo. Todo ele busca encontrar um significado que unifique seus impulsos naquilo que configura na verdade, uma vida como um todo. Então, o mesmo conceito de integração nos apresenta um caminho de educação moral na virtude. 2.3 Sentido e tradição A exigência de totalidade que estava contida no princípio da formação da personalidade, permanece como referência no processo de descobrimento dos sentidos das ações. Tal sentido não se pode compreender como a soma das diferentes normas que se transmitiu ao educando, mas o ponto de referencia em que as ditas normas se sustentam e que vinculam as ações ao toda da vida boa, da qual é um autentico fundamento. A introdução na verdade operativa, que tem como fim, não o julgamento de atos concretos, mas a construção da vida, exige um universo de sentidos inter-relacionados que não se assumem por suas razões quanto ao modo de uma prática que transmite toda uma série de significados. É aqui que nos aparece a tradição como referencia necessária em toda a educação68. A questão do sentido de viver, necessária para responder à própria vocação, se transmite dentro de uma tradição viva, isto é, que não consiste numa mera transmissão de conteúdos determinados, mas do horizonte que cobra sentido no valor das ações. Esta tradição, não é um sistema pré-estabelecido de conteúdos, mas um conceito dinâmico: uma tradição vital, que enquanto tal, transmite sua própria vida, com seus imprevistos. Distantes de fazer-se rígida nas adaptações às mudanças, é capaz de gerar uma cultura, o que permite ao homem “ser mais”69. O passo das gerações é uma forma de afirmas a permanência no bem e de que modo o sentido de uma história se abre a outras pessoas. Esta relação vertical plasma a sociedade de forma que sua fragilidade, faz mais débil o quadro social70 67 67 SAN AGUSTÍN, De Vera Religione, 39, 72 (CCL 32,234): “Noli foras ire, in teipsum redi. In interiore hominis habitat ueritas. Et si tuam naturam mutabilem inueneris, transcende et te ipsum”. 68 Este é o argumento que, com muita força, apresenta: A. MACINTYRE, “The Virtues, the Unity of a Human Life and the Concept of a Tradition”, en After Virtue, cit., 204-225 que desarrolla más en: ID., Three Rival Versions of Moral Enquiry. Encyclopaedia, Genealogy, and Tradition, Duckworth, London 1990. 69 De acordo com a acertada expressão de JOÃO PAULO II, Alocución a la UNESCO (2-VI-1980), n. 11. 70 Cf. E. SCABINI –V. CIGOLI,Il famigliare, Raffaello Cortina, Milano 2000. 15 É uma realidade que o personalismo destacou desde seu inicio como uma exigência interna de qualquer educação pessoal. Trata-se em primeiro lugar da expressão da vida interna da comunidade, que, na medida em que é capaz de gera uma cultura, a transmite71, por outra parte, não se refere diretamente à configuração de um corpo doutrinal em relação a seleção de determinados temas, a busca de prioridades e excelências humanas e que tem uma decisiva influencia na educação72. Na tradição cristã sempre se teve em conta e foi um dos principais fundamentos para o que foi a sua admirável expansão em um ambiente plural, como foi o do helenismo e as distintas inculturações que a religião sofreu. A primeira tradição que se outorga é a linguagem, que tem na figura da mãe, seu centro de transmissão, mas que é expressão da cultura da nação: “ a nação é esta comunidade que possui uma historia que supera a historia do indivíduo e da família. Nesta comunidade, em função da qual, se educa toda a família, a família começa seu trabalho de educação pelo mais simples, a língua, tornando possível, deste modo, que o homem aprenda a falar e chegue a ser membro da comunidade, que é sua família e sua nação”73. O retorno a uma tradição tem sido frequentemente criticado por sua privacidade, ou, ao menos, por sua percepção parcial que impediria uma busca universal da vivência moral. Assim, haveria ocorrido com a moral estoica, que rompe com a tradição grega e que se fundando em um λόγος universal, deseja construir um caminho moral. Na verdade, o intento ilustrado de uma racionalidade enciclopédica fora de qualquer tradição, foi um modo de ignorar as próprias origens que conduziram a uma debilidade de seus fundamentos. Essa suposição, é aquela que, como vimos, está na base dos sistemas intelectivos que reduzem o sentido das ações às razoes de atuar que se expresse em normas ou convenções. Foi oculto assim o mais profundo do raciocínio moral, e consequentemente, da educação, que está na relevância de determinados bens, nesse âmbito comunicativo, no qual alcançam algum sentido. Nenhuma tradição carece de algumas razoes interiores, que são aquelas que sustentam as finalidades a que se propõem e que transmitem74, pelo que parece muito razoável, que do mesmo modo que se pode traduzir qualquer idioma em outro, as tradições não são incomensuráveis entre si, porque não são irracionais, não são fechadas, porque admitem muitos influxos; estão abertas a uma humanidade para a qual 71 Cf. M. NÉDONCELLE, Conscience et logos. Horizons et méthodes d’une philosophie personnaliste, Éditions de l’Épi, Paris 1961, 31: “ Mas as ideias morais da comunicação são, no fundo, uma comunicação de pessoas; a exigência da razão não se separa da realização de uma comunidade intersubjetiva e o risco de erro pelo espírito corresponde ao risco do fracasso pela vontade”. 72 Cf. Ibidem, 34: “Como é explicado desta forma, que a grandeza do gênio consiste menos na força de conceitos inéditos que na seleção de conceitos utilizados dentro de uma tradição» 73 Segundo a acertada expressão de JOÃO PAULO II, Alocução à UNESCO, 2-VI-1980, n. 14. 74 Explicado por: A. MACINTYRE, Whose Justice? Which Rationality? Duckworth, London 1988, 349-388. 16 apontam. É aqui onde se coloca o problema da absolutização e onde se pode encontrar uma resposta. O quarto mandamento, o que tem o papel de ser eixo entre a primeira e a segunda parte, é o mandamento principal da educação, pois sustenta a honra que se deve dar à autoridade dentro deste caminho de crescimento. Aqui se resume o papel único da família, também como sinal próximo e visível de toda a autoridade. É o mandamento que resume em si todo o valor da educação. Assim o explica são João Paulo II: “Honra teu pai e tua mãe, para que se prolongue teus dias sobre a terra, que o Senhor teu Deus te vai dar. (Ex 20,12) Este mandamento segue aos três preceitos fundamentais que anelam a relação do homem e do povo de Israel com Deus(...). É significativo que o quarto mandamento se insere precisamente neste contexto. “Honra teu pai e tua mãe, para que eles sejam para ti, de certo modo, os representantes de Deus, quem te deu a vida e te introduziu na existência humana: é de uma estirpe, nação, cultura. Depois de Deus, são eles teus primeiros bem feitores. Se Deus é o único Bom, mais ainda, ele é o próprio Bem, os pais participam singularmente desta bondade suprema. Portanto, Honra a teu pai e tua mãe! Há aqui uma certa analogia com o culto devido a Deus”75. 3 Educação ao amor Começamos afirmando a importância decisiva da experiência moral para um entendimento adequado da educação. Neste retorno à experiência nos surgia a relação entre a pessoa e a ação que não permitiu assinalar a arte da educação dentro da relação e a necessidade de interpretá-la através de uma reflexão dos atos educativos que é uma forma peculiar de um ato comunicativo. A partir deles pudemos comprovar a necessidade de um “lugar” originário para assegurar esta comunicação, a família, aquele que tem a primazia indubitável pela lógica do dom e do bem da vida. Ao destacarmos em nossa análise os distintos elementos contidos neste tipo de ação, agora os podemos recuperar todos através de uma unificação original que nos oferece o amor. Era algo que já podíamos ter proposto previamente, porque somente o amor nos permite conhecer, de modo mais profundo, a relação pessoal, mas que agora apresentamos como uma conclusão para oferecer uma síntese bem articulada de todo o anterior. Por uma parte, falar de amor acarreta uma especial universalidade, que a simples referencia e a tradição não nos permite afirmar. Esta universalidade é especial porque esta fundada em que todo homem reconhece essa experiência e nunca fica indiferente76 e permite, contrariamente ao que um 75 JOÃO PAULO II, Carta às famílias, n. 15. 76 Cf. L. MELINA, “El amor: encuentro con un acontecimiento”, en L. MELINA –C. ANDERSON (eds.), La vía del amor. Reflexiones sobre la encíclica Deus caritas est de BENTO XVI, Monte Carmelo –Instituto JOÃO PAULOII, Burgos 2006, 1-12. Este artigo é um comentario à primeira afirmação da Encíclica Deus Caritas est de BENTO XVI. 17 determinado romanticismo afirma, uma especial comunicação entre os homens, de forma que ninguém seja excluído. Essa universalidade, tão distinta da meramente racional, nos introduz em uma lógica própria que inclui internamente a fé e que tem uma especial capacidade de comunicação. Enquanto universal, o amor tem a propriedade de que todo homem se sente implicado, o que se pode da mesma forma chamar de vocação ao amor77. Apesar de que a interpretação e terminologia amorosa muda enormemente nas diferentes culturas, conta com dois ámbitos de significado decisivos na educação: a referencia à origem e a relação homem-mulher. Qualquer explicação que assuma em sua globalidade ese marco de experiencia conduz à remissão ao que se denomina “amor originario” com um valor auténticamente criativo78. A categoria que une ambos referentes em um único dinamismo, é a do dom79, de que já falamos, sobretudo na sua referência familiar. Agora podemos explicá-la brevemente assim: o amor nasce de um amor primeiro que o homem recebe como dom e que debe colocar no início de qualquer educação de forma que se possa chamar com propriedade de “educação para o amor”. Se se há de contar com este dom primeiro, desde o próprio podemos establecer o fim da educação como a capacitação para para realizar o dom de si, pelo qual a pessoa pode “encontrar-se a si mesma”80, quer dizer, responder com profundidade a questão do sentido da vida que falávamos e formar sua identidade definitiva que responde ao que temos denominado vocação ao amor. 77 Cf. JOÃO PAULO II, Redemptor hominis, 10; ID., Familiaris consortio, 11. Cf. Mª T. CID VÁZQUEZ, Persona, amor y vocación. Dar un nombre al amor o la luz del sí, Edicep, Valencia 2009. 78 Cf. H. ARENDT, El concepto del amor en San Agustín, Encuentro, Madrid 2001, 71-107. 79 Cf. K. L. SCHMITZ, The Gift: Creation, Marquette University Press, Milwaukee 1982. 80 Cf. CONCILIO VATICANO II, Cons.Pas. Gaudium et spes, n. 24