ROMA - A Igreja
não pode julgar os gays por sua opção sexual e nem marginalizá-los. O alerta é
do papa Francisco que, quebrando um verdadeiro tabu, deixa claro que estende
sua mão a esse segmento da sociedade. “Se uma pessoa é gay e procura Deus e tem
boa vontade, quem sou eu pra julgá-lo”, declarou. “O catecismo da Igreja
explica isso muito bem. Diz que eles não devem ser marginalizados por causa
disso, mas devem ser integrados na sociedade”, insistiu. As declarações
foram dadas em uma entrevista concedida pelo papa aos jornalistas que o
acompanharam no avião entre o Rio e Roma, entre eles a reportagem do Estado. Na
conversa, a garantia do argentino de que o Vaticano tem como papa uma “pessoa
normal”, um “pecador” e que vive junto com os demais religiosos porque morar no
Palácio Apostólico o geraria problemas psicológicos. Trinta minutos depois de o
voo decolar do Rio, o papa deixou sua primeira classe e cumpriu uma promessa
que havia feito no voo de ida de Roma ao Brasil: responderia perguntas dos
jornalistas. Mas poucos imaginaram que a conversa duraria quase uma hora e
meia.
Para o papa, o problema não é a existência do “lobby gay”
dentro da Igreja, mas de qualquer lobby. “O problema não é ter essa tendência.
Devemos ser como irmãos. O problema é o lobby dessas tendências de pessoas
gananciosas, lobby político, mações e tantos outros lobbies. Esse é o principal
problema”, disse.
Pela primeira vez, Francisco ainda deixou claro que, para ele, abusos sexuais
contra menores por parte de religiosos não são apenas pecados, mas crimes que
devem ser julgados.
Mas se a posição sobre os gays e sobre o abuso sexual pode representar uma
mudança, Francisco deixou claro que não haverá uma nova opinião do Vaticano
sobre a presença das mulheres na Igreja, sobre o aborto ou sobre o casamento
homossexual.
O papa aproveitou a conversa para anunciar que vai exigir transparência e
honestidade no Vaticano e garantiu que sua reforma vai continuar. “Esses
escândalos fazem muito mal”, disse.
Antes de responder às perguntas, ele elogiou o “grande coração dos
brasileiros”, disse que a viagem “fez bem para sua espiritualidade” e ainda
disse que a organização do evento foi excelente. “Parecia um cronômetro”. Eis
os principais trechos da entrevista:
Nestes quatro meses
de pontificado, o senhor criou várias comissões. Que tipo de reforma do
Vaticano o sr. tem em mente? O sr. quer suprimir o Banco do Vaticano?
Papa Francisco – Os passos que eu fui dando nestes quatro
meses e meio vão em duas vertentes. O conteúdo do que quero fazer vem da
congregação dos cardeais. Me lembro que os cardeais pediam muitas coisas para o
novo papa, antes do conclave. Lembro-me que tinha muita coisa. Por exemplo, a
comissão de oito cardeais, a importância de ter uma consulta de alguém de fora,
e não uma consulta apenas interna. Isso vai na linha do amadurecimento da
sinonalidade e do primado. Os vários episcopados do mundo vão se expressando e
muitas propostas foram feitas, como a reforma da secretaria dos sínodos, para
que a comissão sinodal tenha característica consultativa, como o consistório
cardinalício com temáticas específicas, como a canonização. A vertente dos
conteúdos vem dai.
A segunda é a oportunidade. A formação da primeira comissão
não me custou mais de um mês. Já A parte econômica, eu pensava em tratar no ano
que vem, porque não é a mais importante. Mas a agenda mudou devido a
circunstâncias que vocês conhecem que é domínio público. O primeiro é o
problema do Ior (Banco do Vaticano), como encaminhá-lo, como reformá-lo, como
sanear o que há de ser sanado. E essa foi então a primeira comissão. Depois
tivemos a comissão dos 15 cardeais que se ocupam dos assuntos econômicos da
Santa Sé. E por isso decidimos fazer uma comissão para toda a economia da Santa
Sé, uma única comissão de referência. Se notou que o problema econômico estava
fora da agenda. Mas estas coisas acontecem. Quando estamos no governo, vamos
por um lado, mas se chutam e fazem um golaço por outro lado, temos que atacar.
A vida é assim. Eu não sei como o Ior vai ficar. Alguns acham melhor que seja
um banco, outros acham que deveria ser um fundo, uma instituição de ajuda. Eu
não sei. Eu confio no trabalho das pessoas que estão trabalhando sobre isso. O
presidente do Ior permanece, o tesoureiro também, enquanto o diretor e o
vice-diretor pediram demissão. Não sei como vai terminar essa história. E isso
é bom. Não somos máquinas. Temos que achar o melhor. Mas o fato é que, seja o
que for, tem que ser feita com transparência e honestidade.
Uma fotografia do sr.
deu a volta ao mundo, quando o sr. desceu as escadas do helicóptero em Roma
para embarcar para o Brasil carregando sua mala preta. Reportagens levantaram
hipóteses também sobre o conteúdo da mala. Porque o sr. saiu carregando a maleta
preta e não um de seus colaboradores? E o sr. poderia dizer o que tinha dentro?
Papa Francisco - Não tinha a chave da bomba atômica. Eu
sempre fiz isso, Quando viajo, levo minhas coisas. E dentro o que tem? Um
barbeador, um breviário (livro de liturgia), uma agenda, tinha um livro para
ler, sobre Santa Terezinha. Sou devoto de Santa Terezinha. Eu sempre levei eu
mesmo minha maleta. É normal. Nós temos que ser normais. É um pouco estranho
isso que você me diz que a foto deu a volta ao mundo. Mas temos de nos habituar
a sermos normais, à normalidade da vida.
Por que o senhor pede
tanto para que rezem pelo senhor? Não é habitual ouvir de um papa que peça que
rezem por ele.
Papa Francisco - Sempre pedi isso. Quanto era padre pedia, mas nem tanto e
nem tão frequentemente. Comecei a pedir mais frequentemente quando passei a ser
bispo. Porque eu sinto que se o senhor não ajuda nesse trabalho de ajudar aos
outros, não se pode realizá-lo. Preciso da ajuda do senhor. Eu de verdade me
sinto com tantos limites, tantos problemas, e também pecador. Peço a Nossa
Senhora que reze por mim. É um hábito, mas que vem da necessidade. Eu sinto que
devo pedir. Não sei…
Na busca de fazer as
mudanças no Vaticano, o sr. disse que existem muitos santos que trabalham e
outros um pouco menos santos. O sr. enfrenta resistências a essa sua vontade de
mudar as coisas no Vaticano? O sr. vive num ambiente muito austero, de Santa
Marta. Os seus colaboradores também vivem essa austeridade? Isso é algo apenas
do sr. ou da comunidade?
Papa Francisco - As mudanças vem de duas vertentes: do que
pediram os cardeais e também o que vem da minha personalidade. Você falou que
eu fico na Santa Marta. Eu não poderia viver sozinho do Palácio, que não é
luxuoso. O apartamento pontifício é grande, mas não é luxuoso. Mas eu não posso
viver sozinho. Preciso de gente, falar com gente, trabalhar com as pessoas.
Porque é que quando os meninos da escola jesuíta me perguntaram se eu estava
aqui pela austeridade e pobreza, eu respondi: não, não. Psicologicamente, não
posso. Cada um deve levar adiante sua vida, seguir seu modo de vida. Os
cardeais que trabalham na Cúria não vivem como ricos. Tem apartamentos
pequenos. São austeros. Os que eu conheço tem apartamentos pequenos. Cada um
tem que viver como o senhor disse que tem que viver. A austeridade é necessária
para todos. Trabalhamos à serviço da Igreja. É verdade que há sacerdotes e
padres santos, gente que prega, que trabalha tanto, que trabalha e vai aos
pobres, se preocupam garantir que os pobres comam. Tem santos na Cúria. Também
tem alguns que não são muito santos. E são estes que fazem mais barulho. Faz
mais barulho uma árvore que cai do que uma floresta que nasce. Isso me dói.
Porque são alguns que causam escândalos. Temos o monsenhor que foi para a
cadeia (por lavagem de dinheiro). São escândalos que fazem mal. Uma coisa que
nunca disse : a Cúria deveria ter o nível que tinham os velhos padres, pessoas
que trabalham. Os velhos membros da Cúria. Precisamos deles. Precisamos do
perfil do velho da Cúria. Sobre a resistência, se tem, eu ainda não vi. É
verdade que aconteceram muitas coisas. Mas eu preciso dizer: eu encontrei
ajuda, encontrei pessoas leais. Por exemplo, eu gosto quando alguém me diz: “eu
não estou de acordo”. Esse é um verdadeiro colaborador. Mas quando vejo alguém
que diz: “ah, que belo, que belo”, e depois dizem o contrario por trás, isso
não ajuda.
O mundo mudou, os
jovens mudaram. Temos no Brasil muitos jovens, mas o senhor não falou de
aborto, sobre a posição do Vaticano sobre casamento entre pessoas do mesmo
sexo. No Brasil foram aprovadas leis que ampliam os direitos para estes
casamentos em relação ao aborto. Por que o senhor não falou sobre isso?
Papa Francisco - A Igreja já se expressou perfeitamente
sobre isso. Eu não queria voltar sobre isso. Não era necessário, como também
não falei sobre outros assuntos. Eu também não falei sobre o roubo, sobre a
mentira. Para isso, a Igreja tem um doutrina clara. Queria falar de coisas
positivas, que abrem caminho aos jovens. Além disso, os jovens sabem
perfeitamente qual a posição da igreja.
E qual é a do Papa?
Papa Francisco - É a da Igreja, eu sou filho da Igreja.
Qual o sentido mais profundo de se
apresentar como o bispo de Roma?
Papa Francisco - Não se deve andar mais adiante do que o que
se fala. O papa é bispo de Roma e por isso é papa, que é o sucessor de Pedro.
Pensar que isso quer dizer que é o primeiro, não é o caso. Não é esse o
sentido. O primeiro sentido do papa é ser o bispo de Roma.
O sr. teve sua
primeira experiência de massas no Rio. Como o sr. se sente como papa? É muito
trabalho?
Papa Francisco - Ser bispo é lindo. O problema é quando um
pessoa busca ter esse trabalho. Assim não é tão belo. Mas quando um senhor
chama para ser bispo, isso é belo. Tem sempre o perigo e pecado de pensar com
superioridade, como ser um príncipe. Mas o trabalho é belo. Ajudar o irmão a ir
adiante. Tem o filtro da estrada. O bispo tem que indicar o caminho. Eu gosto
de ser bispo. Em Buenos Aires, eu era tão feliz. Como padre eu era feliz. Como
bispo, eu era feliz e isso me faz bem.
E como papa?
Papa Francisco - Se você faz o que o Senhor quer, é feliz. Isso é meu
sentimento.
Vimos o sr. cheio de
energia e, agora, enquanto o avião se mexe muito, vemos agora com muita
tranquilidade de pé. Fala-se muito das próximas viagens. O sr. já tem um
calendário?
Papa Francisco - Definido, definido não há nada. Mas posso
dizer algumas coisas que estamos pensando. No dia 22 de setembro, Cagliari.
Depois, no 4 de outubro, para Assis. Tenho em mente, dentro da Itália, ir ver
minha família. Pegar um avião pela manhã e voltar com outro pela noite. Meus
familiares, pobres, me ligam. Temos uma boa relação com eles. Fora da Itália o
patriarca Bartolomeu I quer fazer um encontro para comemorar os 50 anos do
encontro Atenágoras e Paulo VI em Jerusalém. O governo israelense nos fez um
convite especial. O governo da Autoridade Palestina acredito que fez o mesmo.
Isso está sendo pensado. Na América Latina, acredito que há possibilidades de
voltar, porque o papa latino-americano, que acaba de fazer sua primeira viagem
à América Latina….Adeus! Devemos esperar um pouco. Acredito que se possa ir à
Ásia, mas está tudo no ar. Tive convites para ir ao Sri Lanka e Filipinas. Para
a Ásia precisamos ir. Bento XVI não teve tempo.
E para a Argentina?
Papa Francisco - Isso pode esperar um pouco. As outras viagens tem
prioridade.
No encontro com os argentinos, o sr. disse que se sentia
enjaulado. Por quê?
Papa Francisco - Vocês sabem que eu tenho vontade de passear pelas ruas de
Roma? Adoro andar pelas ruas. E por isso me sinto um pouco enjaulado. Mas tenho
que dizer que a Gendarmeria vaticana é boa. Agora me deixam fazer algumas
coisas mais. Mas seu dever é garantir minha segurança. Enjaulado nesse sentido,
de que gostaria de estar nas ruas. Mas entendo que não é possível. Em Buenos
Aires, eu era um sacerdote das ruas.
A igreja no Brasil está perdendo fiéis. A Renovação
Carismática é uma possibilidade para evitar que eles sigam para as igrejas
pentecostais?
Papa Francisco - É verdade, as estatísticas mostram. Falamos sobre isso ontem
com os bispos brasileiros. E isso é um problema que incomoda os bispos
brasileiros. Eu vou dizer uma coisa: nos anos 1970, início dos 1980, eu não
podia nem vê-los. Uma vez, falando sobre eles, disse a seguinte frase: eles confundem
uma celebração musical com uma escola de samba. Eu me arrependi. Vi que os
movimentos bem assessorados trilharam um bom caminho. Agora, vejo que esse
movimento faz muito bem à igreja em geral. Em Buenos Aires, eu fazia uma missa
com eles uma vez por ano, na catedral. Vi o bem que eles faziam. Neste momento
da igreja, creio que os movimentos são necessários. Esses movimentos são um
graça para a igreja. A Renovação Carismática não serve apenas para evitar que
alguns sigam os pentecostais. Eles são importantes para a própria igreja, a
igreja que se renova.
O senhor disse que
está cansado. Há algum tratamento especial neste voo?
Papa Francisco - Sim, estou cansado. Não há nenhum tratamento especial
neste voo. Na frente, tem uma bela poltrona. Escrevi para dizer que não queria
tratamento especial.
A igreja sem a mulher
perde a fecundidade? Quais as medidas concretas?
Papa Francisco - Uma igreja sem as mulheres é como o colégio apostólico sem
Maria. O papal da mulher na igreja não é só maternidade, a mãe da família. É
muito mais forte. A mulher ajuda a igreja a crescer. E pensar que a Nossa
Senhora é mais importante do que os apóstolos! A igreja é feminina, esposa,
mãe. O papel da mulher na igreja não deve ser só o de mãe e com um trabalho
limitado. Não, tem outra coisa. O papa Paulo XI escreveu uma coisa belíssima
sobre as mulheres. Creio que se deva ir adiante com esse papel. Não se pode
entender uma igreja sem uma mulher ativa. Um exemplo histórico: para mim, as
mulheres paraguaias são as mais gloriosas da América Latina. Sobraram, depois
da guerra (1864-1870), oito mulheres para cada homem. E essas mulheres fizeram
uma escolha um pouco difícil. A escolha de ter filhos para salvar a pátria, a
cultura, a fé, a língua. Na igreja, se deve pensar nas mulheres sob essa
perspectiva. Escolhas de risco, mas como mulher. Acredito que, até agora, não
fizemos uma profunda teologia sobre a mulher. Somente um pouco aqui, um pouco
lá. Tem a que faz a leitura, a presidente da Cáritas, mas há mais o que fazer.
É necessário fazer uma profunda teologia da mulher. Isso é o que eu penso.
O que sr. pensa sobre
a ordenação das mulheres?
Papa Francisco - Sobre a ordenação, a Igreja já falou e disse que não. João
Paulo II disse com uma formulação definitiva. Essa porta está fechada. Nossa
senhora, Maria, é mais importante que os apóstolos. A mulher na igreja é mais
importante que os bispos e os padres. Acredito que falte uma especificação
teológica.
Queremos saber qual a
sua relação de trabalho com Bento XVI, não a amistosa, a de colaboração. Não
houve antes uma circunstância assim. Os contatos são frequentes?
Papa Francisco - A última vez que houve dois ou três papa, eles não se
falavam. Estavam brigando entre si, para ver quem era o verdadeiro. Eu fiquei
muito feliz quando se tornou papa. Também, quando renunciou, foi, pra mim, um
exemplo muito grande. É um homem de Deus, de reza. Hoje, ele mora no Vaticano.
Alguns me perguntam: como dois papas podem viver no Vaticano? Eu achei uma
frase para explicar isso. É como ter um avô em casa. Um avô sábio. Na família,
um avô é amado, admirado. Ele é um homem com prudência. Eu o convidei para vir
comigo em algumas ocasiões. Ele prefere ficar reservado. Se eu tenho alguma
dificuldade, não entendo alguma coisa, posso ir até ele. Sobre o problema grave
do Vatileaks [vazamento de documentos secretos], ele me disse tudo com
simplicidade. Tem uma coisa que não sei se vocês sabem: em 8 de fevereiro, no
discurso, ele falou: “Entre vocês está o próximo papa. Eu prometo obediência”.
Isso é grande.
Nesta viagem, o sr.
falou de misericórdia. Sobre o acesso aos sacramentos dos divorciados, existe a
possibilidade de mudar alguma coisa na disciplina da igreja?
Papa Francisco - Essa é uma pergunta que sempre se faz. A misericórdia é
maior do que o exemplo que você deu. Essa mudança de época e também tantos
problemas na igreja, como alguns testemunhos de alguns padres, problemas de
corrupção, do clericalismo… A igreja é mãe. Ela cura os feridos. Ela não se
cansa de perdoar. Os divorciados podem fazer a comunhão. Não podem quando estão
na segunda união. Esse problema deve ser estudado pela pastoral matrimonial. Há
15 dias, esteve comigo o secretário do sínodo dos bispos, para discutir o tema
do próximo sínodo. E posso dizer que estamos a caminho de uma pastoral
matrimonial mais profunda. O cardeal Guarantino disse ao meu antecessor que a
metade dos matrimônios é nula. Porque as pessoas se casam sem maturidade ou
porque socialmente devem se casar. Isso também entra na Pastoral do Matrimônio.
A questão da anulação do casamento deve ser revisada. Também é preciso analisar
os problemas judiciais de anular um matrimônio. Porque os…eclesiástico não
bastam para isso. É complexo o problema da anulação do matrimônio.
Como Papa, o senhor
ainda pensa como um jesuíta?
Papa Francisco - É uma pergunta teológica. Os jesuítas fazem votos de
obedecer ao Papa. Mas se o Papa se torna um jesuíta, talvez devem fazer votos
gerais dos jesuítas. Eu me sinto jesuíta na minha espiritualidade, a que tenho
no coração. Não mudei de espiritualidade. Sou Francisco franciscano. Me sinto
jesuíta e penso como jesuíta.
Em quatro meses de
Pontificado, pode nos fazer um pequeno balanço e dizer o que foi o pior e o
melhor de ser Papa? O que mais o surpreendeu neste período?
Papa Francisco - Não sei como responder isso, de verdade. Coisas ruins,
ruins, não aconteceram. Coisas belas, sim. Por exemplo, o encontro com os
bispos italianos, que foi tão bonito. Como bispo da capital da Itália, me senti
em casa com eles. Uma coisa dolorosa foi a visita a Lampedusa, me fez chorar.
Mas me fez bem. Quando chegam estes barcos (com imigrantes), e que os deixam a
algumas milhas de distância da costa e eles têm que chegar (à costa) sozinhos,
isso me dói porque penso que estas pessoas são vítimas do sistema
sócio-econômico mundial. Mas a coisa pior é um dor ciática, é verdade, tive
isso no primeiro mês. É verdade! Para uma entrevista, tive que me acomodar numa
poltrona e isso me fez mal, doía muito, não desejo isso a ninguém. O encontro
com os seminaristas religiosos foi belíssimo. Também o encontro com os alunos
do colégio jesuíta foi belíssimo. As pessoas…conheci tantas pessoas boas no
Vaticano. Isso é verdade, eu faço justiça. Tantas pessoas boas, mas boas, boas,
boas.
O senhor se assustou
quando viu o informe sobre o Vatileaks?
Papa Francisco - Não. Vou contar uma anedota sobre o informe do Vatileaks.
Quando fui ver o Papa Bento, ele disse: aqui está uma caixa com tudo o que
disseram as testemunhas. Havia ainda um envelope com o resumo. E ele sabia tudo
de memória. Mas não, não me assustei. São problemas grandes, mas não me
assustei.
O sr. tem a esperança
de que esta viagem ao Brasil contribua para trazer de volta os fiéis?
Papa Francisco - Uma viagem Papa sempre faz bem. E creio que a viagem ao
Brasil fará bem, não apenas a presença do Papa. Esta Jornada da Juventude, eles
(os brasileiros) se mobilizaram e vão ajudar muito a Igreja. Tantos fiéis que
foram se sentem felizes (por terem ido). Acho que vai ser positivo não só pela
viagem, mas pela Jornada, que foi um evento maravilhoso.
Os argentinos se
perguntam: o sr. não sente falta de estar em Buenos Aires, pegar um ônibus?
Papa Francisco - Buenos Aires, sim, sinto falta. Mas é uma saudade serena.
Hoje os ortodoxos
festejam mil anos do cristianismo. Seu comentário.
Papa Francisco - As igrejas ortodoxas conservaram a liturgia tão bem, no
sentido da adoração. Eles louvam Deus, adoram Deus, cantam Deus. O tempo não
conta. O centro é Deus e isso é uma riqueza. Luz é oriente. E o ocidente, luxo.
O consumismo nos faz tão mal. Quando se lê Dostoievski, que acho que todos nós
devemos ler, precisamos deste ar fresco do oriente, desta luz do oriente.
O que o senhor
pretende fazer em relação ao monsenhor Ricca (acusado de ter amantes) e como o
sr. pretende enfrentar toda esta questão do lobby gay?
Papa Francisco - Sobre monsenhor Ricca, fiz o que o direito canônico manda
fazer, que é a investigação prévia. E nesta investigação, não tem nada do que o
acusam. Não achamos nada. É a minha resposta. Mas eu gostaria de dizer outra
coisa sobre isso. Vejo que muitas vezes na Igreja se busca os pecados de
juventude, por exemplo. Abuso de menores é diferente. Mas, se uma pessoa, seja
laica ou padre ou freira, pecou e esconde, o Senhor perdoa. Quando o senhor
perdoa, o senhor esquece. E isso é importante para a nossa vida. Quando vamos
confessar e nós dizemos que pecamos, o senhor esquece e nós não temos o direito
de não esquecer. Isso é um perigo. O que é importante é uma teologia do pecado.
Tantas vezes penso em São Pedro, que cometeu tantos pecados e venerava Cristo.
E este pecador foi transformado em Papa. Neste caso, nós tivemos uma rápida
investigação e não encontramos nada.
Vocês vêm muita coisa escrita sobre o gay lobby. Eu ainda não vi ninguém no
Vaticano com uma carteira de identidade do Vaticano dizendo que é gay. Dizem
que há alguns. Acho que quando alguém se vê com uma pessoa assim deve
distinguir entre o fato de que uma pessoa é gay e fazer um lobby gay, porque
todos os lobbys não são bons. Isso é o que é ruim. Se uma pessoa é gay e
procura Deus e tem boa vontade, quem sou eu, por caridade, pra julgá-la? O
catecismo da Igreja católica explica isso muito bem. Diz que eles não devem ser
discriminados por causa disso, mas devem ser integrados na sociedade. O
problema não é ter essa tendência. Não! Devemos ser como irmãos. O problema é
fazer lobby, o lobby dos avaros, o lobby dos políticos, tantos lobbys. Esse é o
pior problema.
FONTE: cnbb.org.br