Dom Anuar Battisti
arcebispo de Maringá (PR)
Há poucos dias em conversa com um amigo ele me dizia: “Até
hoje na minha vida o amor só foi sofrimento”. É um jovem adulto que vive a
experiência de não ser amado e compreendido em seus desejos e sentimentos e com
isso sente fortemente o desejo de amar, porém não encontra o espaço que dê a
segurança de um verdadeiro amor.
Essa situação acaba sendo um drama, que repercute em dores
físicas e psicológicas. A capacidade de amar se transforma em sofrimento. Eu
tenho a certeza que só abraçando a dor, amando a própria cruz é que se passa da
dor ao amor.
A dor, a cruz não é o fim e sim meio, passagem para poder
amar de verdade. Na medida em que se assume a perda, a ausência, a
incompreensão, a solidão, a traição, o desentendimento, enfim as contrariedades
doídas da vida, se passa imediatamente ao amor. Permanecendo na cruz nunca
haverá ressurreição.
Essa experiência de abandono, do amor sofrido, recorda a
própria experiência de Jesus que, na dor agonizante, suando sangue, grita: “Meu
Deus porque me abandonastes. Porém, não se faça a minha e sim a tua vontade”
(Mt 27,46). Não dá para fugir e muito menos fazer de conta. O mestre, assume
mesmo sem entender. O que lhe espera não é o “Hosana, o Bendito que vem em nome
do Senhor”, e sim o “crucifica-o”. Assume a dor doída até a morte. Vence porque
foi até o fim. “Só quem passa pelo fogo da dor chega ao incêndio do amor”. Amor
sem cruz nunca será amor. Em qualquer momento seremos surpreendidos pela
alegria ou pela tristeza, em qualquer desses momentos, o importante é amar.
Nestes dias li que o Papa Francisco reza seguidamente o testamento
de sua vó, que realmente é uma oração forte e poderosa. Tenho a certeza que
esse é o caminho sem o qual a dor não passa e o amor vira sofrimento. Assim
está no testamento: “Que os meus netos, a quem dei o melhor de mim mesma,
tenham uma vida longa e feliz. Mas se um dia a dor, a doença ou a perda de um
ente querido os encher de aflição, que não se esqueçam jamais que um suspiro
diante do Tabernáculo, onde se guarda o maior e mais venerável dos mártires, e
um olhar a Maria ao pé da cruz, podem fazer cair uma gota de bálsamo sobre as
feridas mais profundas e dolorosas.” (Fragmento do testamento da Vovó do Papa
Francisco).
“Nem Deus resiste a um homem de joelhos”. Expressão forte e
profundamente verdadeira. Deus não precisa de nossos joelhos e muito menos de
nossas lágrimas, porém, a nossa condição fragilizada e mesquinha exige buscar
em Deus, a luz e se entregar de corpo e alma para passar da dor ao amor.
Recomeçar sempre sem olhar para trás, com os pés no chão de
nossa natureza humana, amada e resgatada para sempre, nos faz dignos de amar e
ser amados. O caminho é o amor, mesmo sabendo que ele é fruto da perseverança
no caminho da cruz. “Nada nos separará do amor de Cristo...nem a morte, nem a
vida, nem os anjos, nem os principados, nem as coisas do presente, nem do
futuro, nem os poderes, nem a altura, nem a profundidade, nem qualquer outra
criatura” (Rm 8,38-39). Senhor me ajude a passar da dor ao amor, abraçando a
minha cruz de cada dia. Eu sei que o amor dói, mas sem ele a vida não tem
sentido. Amém.