Dom Pedro José Conti
Bispo de Macapá
O homem tinha uma aparência
simples e cheia de bondade. Por isso lhe pedi:
- Por favor, diga-me: como é
Deus?
Ele respondeu:
- Muitas palavras não serviriam.
No entanto, toma este livro – era um livro no qual ele mesmo escrevia – Se o
ler no momento certo, ele te dirá como é Deus.
Eu queria ver logo o que estava
escrito, mas quando cheguei em casa minha mulher não ficou tão animada. Ela
estava toda ocupada porque se aproximavam os dias do nascimento do nosso
primeiro filho. Eu me perguntava: quando será o momento certo para ler o livro?
Talvez por ocasião de algum dia santo. Quem sabe, num dia de tristeza. Pode ser
também que Deus mesmo vai nos dizer quando abrir o livro. Decidimos esperar.
Duas semanas depois, nasceu o nosso primeiro filho. É muito difícil explicar o
que eu senti. Era pai, estava cheio de orgulho, mas ao mesmo tempo estava
humilhado porque nem sabia como pegar no colo aquela criança. Achava de ter já
entendido tudo da vida, mas aquele pequeno ser era maior do que eu. Devia
aprender com ele coisas novas. Todos crescem quando se tornam pais. Naquela
noite, sonhei que meu filho me perguntava:
- Como é Deus?
Levantei-me e fui buscar o livro.
Disse à minha esposa:
- Este é o momento certo. Abrimos
o livro e eu li:
- É muito simples: Deus é um Pai.
Ela também quis abrir o livro e
leu:
- É muito simples: Deus é um
Filho.
– Vamos agora abrir o livro
juntos – pedi.
Unimos as nossas mãos, abrimos e
lemos:
- É muito simples, cada respiro
seu é um respiro da vida de Deus!
Essas são palavras de Teofane, um
dos monges do deserto. Nada de mais humano que buscar o sentido das coisas
grandes a partir da simplicidade da vida, aquela que, talvez, vivemos todos os
dias sem dar atenção. Deus sempre será infinitamente maior do que nós, maior do
que nossas ideias e nossas palavras; maior do que as nossas tentativas de
explicação. No entanto dizer que Deus é Pai, Filho e Espírito Santo é mais do
que proclamar um dos mistérios maiores e mais bonitos da nossa fé; é expressar
com singeleza algo que deve envolver também as nossas vidas.
Jesus ensinou e prometeu que ele
e o Pai iriam “fazer morada” naqueles que o amarem e guardarem a sua palavra (cf.
Jo14, 23). Deus quer estar conosco, caminhar conosco, quer ter o seu lugar em
nosso coração. Com isso, quero dizer que, apesar da sua grandeza e da nossa
pequenez, algo de Deus deve estar necessariamente ao nosso alcance. Deve ser
possível falar, ao menos um pouco, dele e fazer a experiência do seu amor.
Acredito que, apesar das limitações das palavras, dizer que Deus é Pai, Filho e
Espírito Santo faz que o sintamos cada vez mais perto de nós.
Pai (e mãe) significa o dom da
vida. A uma criança basta pouco para ser feliz, serve alguém que a tome no colo
e atenda às suas necessidades elementares de sobrevivência. Filho é aquele que,
em primeiro lugar, encanta-se com seus pais e os admira. Um filho aprende a
agradecer a cada dia e prova a sua gratidão no respeito e na atenção para com
os pais. Enfim, o “respiro”, o sopro do Espírito, é como o ar necessário
em cada momento para se viver, porque é o amor que transforma tudo em beleza,
em alegria, e bondade.
O amor faz de gestos simples,
cotidianos, muitas vezes despercebidos, verdadeiros atos de heroísmo, de
sacrifício, de desprendimento e doação. É o amor que, dado e recebido, faz da
nossa vida um dom, além dos cálculos e dos interesses: pura gratuidade. Gestos
de amor verdadeiro não tem preço, purificam o nosso coração das invejas, limpam
os nossos olhos das maldades, fazem surgir a paz onde reinava a inquietação.
Talvez nos sintamos muitas vezes infelizes pela incapacidade de enxergar o bem
que nos é oferecido e o bem que podemos doar sem esperar nada de volta. Temos
medo de sermos os primeiros a amar, de nos “perder” por causa do amor. Na
realidade o “momento certo” para entender o amor é, e sempre será, quando
amamos. Fora do amor vivido, real e sofrido, é difícil entender o amor. Também
é difícil entender Deus.